sexta-feira, dezembro 24, 2010

Natal de 2010 - poema terceiro

O poema que acrescento aos "meus" poemas de Natal é especialmente bonito.
É ainda mais encantador porque me chegou trazido com a "ternura prosseguida" pelas mãos da filha do autor, a minha querida colega Manuela Mota, que me dizia "cá vai o poema escrito pelo meu querido pai ;-)"

NATAL É COMO SE…
Fosse a festa construída
em tempo e espaço, muito embora
a memória persistisse revestida.

Natal é como se…
Em cada um de nós surgisse
a mão estendida,
no sentido de dar e receber:
não a esmola secreta e compungida,
ou o presente inscrito no dever,
antes a ternura prosseguida.


terça-feira, dezembro 21, 2010

Natal 2010 - poema segundo

A querida colega Manuela Mota apareceu numa reunião de avaliação com dois precisos livrinhos com poemas de Natal. De autores portugueses.
Deu-me a vertigem do Menino Jesus, perante a caixa dos segredos de Fernando Pessoa, e pensei em lhos tirar. Não foi preciso, ela passou-mos muito amavelmente para as mãos.
De um deles ainda estou a fazer cópia. É de seu pai, o senhor Arlindo Mota. Deles, do senhor Arlindo e do seu livrinho, falarei ainda antes do dia de Natal.
Agora aqui deixo o que, no meu entender, é o mais simples e mais mimoso dos poemas do outro livrinho, de David Mourão-Ferreira, "Cancioneiro de Natal", uma coletânea publicada há alguns anos. É um poema do avô para os netos. Por isso tinha de ser escrito com a alma e o entusiasmo incrédulo das crianças.

Ó David Ó Inês
Vamos ver o Menino
inda mais pequenino
que vocês


Vamos vê-lo tapado
sob o céu do futuro
com a sombra de um muro
a seu lado

Vamos vê-lo nós três
novamente a nascer
Vamos ver se vai ser
desta vez
David Mourão-Ferreira, 1981

quinta-feira, dezembro 16, 2010

O Natal não é ornamento: é fermento

Com este poema abro a época do Natal neste blogue, esperando que muitos mais outros se juntem.
Conheci-o pelas mãos do Acúrcio, irmão de tantos sonhos, entusiasmos e realizações, partilhados nessa enorme e mágica fornalha que é o espaço da escola Eça de Queirós.
O primeiro verso, sozinho, é já um poema, já não seria preciso ler mais nada.
Obrigado, mano!

O Natal não é ornamento: é fermento
É um impulso divino que irrompe pelo interior da história
Uma expectativa de semente lançada
Um alvoroço que nos acorda
para a dicção surpreendente que Deus faz
da nossa humanidade

O Natal não é ornamento: é fermento
Dentro de nós recria, amplia, expande

O Natal não se confunde com o tráfico sonolento dos símbolos
nem se deixa aprisionar ao consumismo sonoro de ocasião
A simplicidade que nos propõe
não é o simplismo ágil das frases-feitas
Os gestos que melhor o desenham
não são os da coreografia previsível das convenções

O Natal não é ornamento: é movimento
Teremos sempre de caminhar para o encontrar!
Entre a noite e o dia
Entre a tarefa e o dom
Entre o nosso conhecimento e o nosso desejo
Entre a palavra e o silêncio que buscamos
Uma estrela nos guiará

                                 José Tolentino Mendonça

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Transmitir, passar o testemunho

A organização dos seis biliões está prestes a ficar ultrapassada, já estamos mesmo à porta dos sete biliões.
Os trabalhos, os vídeos desta fundação são mais valiosos que a riqueza contida em todas minas do mundo. Os testemunhos são impressionantes, os temas são atraentes e importantes.
Neste vídeo, espelha-se algum do mundo no que à educação e à transmissão cultural diz respeito.
Que aulas, que seminários magníficos e extraordinários poderão fazer-se a partir daqui!
Vamos a eles!

domingo, dezembro 05, 2010

Um pré-conto de Natal

Hoje, de manhã, quando entrei no supermercado com uma lista grande de legumes para comprar (já se me acabaram praticamente todos cá em casa) quase esbarrei com um expositor temporário de cartões de Natal. Todos da Unicef. Nas duas prateleiras mais perto do chão tinha bonequinhos de peluche e carrinhos (o jipe azul, com a cruz branca, da Unicef).
Já depois de me ter decidido a quantidade de cartões a comprar, e depois de ter optado pelos pacotes de seis em vez das caixas de dez (afinal, mais caras); quando estava a escolher os desenhos, uma senhora chegou-se ao expositor e pegou logo num dos bonequinhos. "Olha, e se for isto?..." Sem olhar, percebi, pela resposta, que estava a falar com a filha. "Eu acho que os meninos não vão gostar disso..." Eu continuava a escolher os desenhos dos meus cartões. O que ouvi a seguir fez-me decidir não olhar mesmo para o meu lado direito: "Azar o deles..." foi a reação da mãe. A frase saiu-lhe da boca com rudeza explosiva! Fez-se um breve silêncio, a filha estaria a pensar no que a mãe tinha acabado de dizer. Depois percebi que estariam a fazer uma compra para um qualquer projeto de ajuda a crianças institucionalizadas, fazê-las felizes numa festa de Natal. Pouco depois, a menina repetiu: "Eu acho que os meninos não vão gostar desses bonecos..." Desta vez a mãe já não respondeu nada. Acabou por se voltar para a filha e perguntou-lhe: "Qual dos bonecos é que gostas mais?" Veio-me à cabeça que o que a senhora agora tentava fazer era comprar a cumplicidade da filha, os meninos não gostariam, certamente, mas sempre poderia vir a dizer que tinha sido a filha a escolher, e, assim escudada na ingenuidade pura e oblativa das crianças, a perversidade da escolha - da sua escolha, escolha de mãe - ficaria "genialmente" disfarçada. A menina continuou a ser muito mais lúcida, honesta e companheira do que a mãe: "Eu gosto mais deste, mas já te disse mãe, os meninos não vão gostar..."
A mãe baixou-se, esticou o braço mais duas ou três vezes, a pegar em bonecos, e finalmente escolheu um: "Vai este..." E foram embora.
Não cheguei a ver se acabou por levar o que a filha tinha dito que tinha gostado mais ou não, fixei-me só nas vozes e não pude deixar de ver, pela visão periférica, os gestos e as movimentações dos corpos.
Só depois de se afastarem é que olhei os bonecos. Pelo seu preço, pareceu-me que seria uma prenda convidativa; e pensei que os bonecos não seriam assim tão desagradáveis para as crianças, fossem elas quais fossem, a quem as meninas se referia.
Mas não era isso que era o cerne da questão, eu sabia-o bem. O cerne estava naquele "azar", pelo que ele denunciava dos verdadeiros sentimentos da mãe; e pelos efeitos que comportamentos assim têm na progressiva (des)educação das crianças e na sua formação moral, social e solidária.
Neste episódio - significativo episódio - quem foi sincera, tolerante e dialogante, foi a criança! Que virá a acontecer a estes valores ao longo do seu desenvolvimento pessoal?...

quarta-feira, dezembro 01, 2010

O Primeiro de Dezembro, e a Restauração da Independência

Celebramos a restauração da independência, da soberania política.
Tantos anos passados, sabemos, pela história de outros povos (alguns tão próximos de nós, veja-se, por exemplo a Catalunha e o País Basco que sofrem, ainda hoje, o domínio que nós conseguimos rejeitar há tantos anos, ao que parece, até com a ajuda, mesmo que indireta, deles; outros, mais distantes geograficamente, mas de mim afetivamente tão próximos, como é o caso do Tibete), como a "santa liberdade" - que eu tanto gosto o Vitorino cantar no Hino da Maria da Fonte! -, é uma condição essencial ao bem-estar pessoal e social.
É claro que entendo a expressão "santa liberdade" em sentido lato, não num sentido estritamente religioso.
370 anos passados de dia tão importante na nossa História, se a soberania política é preciosa, a soberania económica, pelo contrário, é trágica.
A versão que aqui deixo do Hino da Restauração é a única que encontrei no Youtube com os versos do hino, não apenas a música.

segunda-feira, novembro 29, 2010

Embora os meus olhos sejam os mais pequenos do mundo, dizia António Aleixo

"Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do mundo.
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo."


No passado dia 25, o grupo de professores que conduziu a participação da Escola nos programas do Parlamento dos Jovens 2010 e Euroscola 2010, conduziu também, novamente com o extraordinário empenho dos alunos, uma sessão de apresentação de todo o projeto, desde a sua germinação, em Janeiro deste ano, até à participação festiva de um grupo de alunos e professores da Eça em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, de 20 a 26 de Outubro.
A sessão do Dia do Patrono foi conduzida tornando seu lema a seguinte afirmação de Marcel Proust:
"A única verdadeira viagem não é a que nos leva para outras paisagens, mas a que nos leva a ver as coisas com outros olhos."
Honra agora se faça a António Gedeão que, ao seu jeito, nos diz assim, também, sobre o jeito dos olhos:


IMPRESSÃO DIGITAL
Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos,
onde outros, com outros olhos, 
não vêem escolhos nenhuns.


Quem diz escolhos, diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.


Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.


Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.


Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.
             in "Movimento Perpétuo", 1956

quinta-feira, novembro 18, 2010

Miguel Guerreiro na SIC, a 22 de Novembro

O Miguel, GRANDE, GRANDE, GRANDE AMIGO - amigo meu e amigo da minha escola - vai estar em direto na SIC no próximo dia 22, de manhã.
Não vou perder!
Tentem, também, não perder!

quarta-feira, novembro 10, 2010

World Science Day for Peace and Development

Hoje é o DIA DA CIÊNCIA AO SERVIÇO DA PAZ E DO DESENVOLVIMENTO
Na celebração de hoje, recomendo, aos leitores de língua portuguesa, o seguinte trabalho, publicado pela UNESCO: http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001899/189920por.pdf
Nesse trabalho, "roubei" a seguinte imagem, tão ternurenta!...

O seu autor (a quem apresento já entusiásticos parabéns!) é o Matheus Pinho Mantovani Cerqueira, de 16 anos, do 1.º ano do ensino médio, sendo Claudio Cesário o professor-orientador, da Escola de Educação Básica e Profissional Fundação Bradesco, doRio de Janeiro, RJ.
No livro encontrarão mais desenhos, todos muito bonitos!

segunda-feira, novembro 08, 2010

O Kung-fu, para além da poluição da Televisão, do Cinema e da Net

Acabei de ler um delicioso artigo sobre o Kung-fu, na edição de Novembo da National Geographic Portugal (n.º 116, p. 64-81). O texto é de Peter Gwin e as fotografias de Fritz Hoffmann.
De lá, retiro, sem pensar muito, algumas frases que me ressoaram de maneira especial (os destaques são da minha responsabilidade):

  • Preocupam-no igualmente as armadilhas da fama. O seu mestre [Yang Guiwu] recomendou-lhe que se mantivesse humilde, mesmo quando superasse os outros alunos em seu redor. A humildade derrota o orgulho, prega mestre Yang. O orgulho derrota o homem.
  • No entanto, Hu explica que os combates não são a lição mais importante do kung-fu. Ele centra as suas lições na honra. Em cada rapaz ele procura sentido de respeito e disposição para "comer o pão que o diabo amassou", aprendendo a apreciar a adversidade, aproveitando-a para disciplinar a vontade e para forjar o caráter.
  • Pergunto [P. Gwin]: o kung-fu não é essencialmente um ato violento? E não contradiz os princípios da não-violência do budismo? Não, responde. No essencial, o kung-fu procura converter a energia em força. Na ausência de adversário, a prática compõe-se de uma série de movimentos. As próprias fraquezas físicas e mentais de um praticante transformam-se no inimigo. Com efeito, ele entra em combate consigo mesmo.
  • "Não se pode derrotar a morte" diz. Xi pontapeia o ar, equilibrando-se sobre a outra perna. "Mas pode-se derrotar o medo da morte."

segunda-feira, outubro 04, 2010

Dia Mundial do Professor


DIA MUNDIAL DO PROFESSOR.
A 5 de Outubro.
A UNESCO celebra, desde 1994, o Dia Mundial do Professor, a 5 de Outubro. Este ano, sob o lema "A RECUPERAÇÃO COMEÇA COM OS PROFESSORES"

Endereço da página oficial da UNESCO na Internet: aqui

Para além de uma saudação muito cordial e solidária com todos os professores do mundo, permitam-me que este ano abrace muito especialmente, muito carinhosamente, uma colega, já reformada, que conheci este ano na ilha do Faial, no passado dia 29 de Setembro, que dedicou a sua vida ao nosso tão delicado e honroso ministério. A nossa colega, aos 8 anos de idade, prometeu ao Divino Espírito Santo, muito em segredo, que se um dia chegasse a ser professora, não faltaria nunca à celebração religiosa anual na ilha que era a sua, São Miguel. Enquanto pode, a nossa colega cumpriu a sua promessa.
Enviuvou cedo e, a certa altura da sua vida, tinha os seus quatro filhos a estudarem em Lisboa. Pelo Natal, era ela que vinha a Lisboa juntar-se a eles para a Consoada. Não era financeiramente suportável para a economia familiar que os filhos fossem, todos à uma, passar o Natal a São Miguel.

sexta-feira, setembro 24, 2010

Tiago, bem-vindo às aulas de Psicologia, como as enriqueces!...

(...) já lidei muitas vezes com casos de pânico e de desespero, uma pessoa sentir que está em risco e vê-se pelo olhar que, quando nós chegamos, agarram-nos (quando ainda conseguem) como se nós fossemos "a vida", mas o mais gratificante é ver a alegria nos olhos de uma pessoa por ter sido salva!, por um familiar já estar bem! Por muitas coisas!... E aí olham-nos como se fossemos deuses, muitas das vezes fazem de tudo para não perder o contacto com quem as salvou!, porque lhe vai ficar grata o resto da vida e é muito bom sentir isso... muito bom mesmo! (...)

Na abertura do curso de Psicologia da turma do 12.º ano, deste ano letivo, lancei o convite aos alunos para que se apresentassem aos colegas, por escrito, num fórum existente para o efeito na plataforma informática da Escola. Escreveriam a partir da ideia que têm da sua relação com a Psicologia, a partir da ideia que têm sobre a maneira como, na opinião de cada um, a Psicologia esteve já presente nas suas vidas.
Um dos alunos que aceitou prontamente responder ao convite foi o Tiago. O Tiago é o aluno mais alto e mais velho da turma. Acabou de fazer 20 anos. No contacto social, é um rapaz discreto, sóbrio na expressão pessoal e nas palavras. Muito bem-educado. Facilmente desperta simpatia. Foi igual a si próprio no primeiro texto que escreveu em resposta ao meu pedido: discreto, sóbrio, simples; apoucando-se, mesmo: fala da sua formação e acaba o texto dizendo “A meu ver, acho que não há mais nada de relevante a escrever!”
O Tiago é bombeiro desde os 12 anos. Tem apagado muitos fogos, mas não consegue apagar o fogo que arde dentro dele. (Um dia lhe explicarei que o fogo que tem dentro dele é fogo do tipo que cria a vida, ao contrário daquele contra o qual luta em todo o lado, sempre que o chamam). Talvez pela experiência que tenho de contacto com os vulcões dos Açores, percebi que a dimensão do fogo que se convulsiona dentro do meu bem recente aluno é a mesma que faz a intensidade poderosa dos magmas que respiram teluricamente nas fascinantes ilhas atlânticas e atlântidas.
Confiante na minha ideia, passei do convite ao desafio. O Tiago não baixou os olhos, não deu passo nenhum atrás e decidiu enfrentar o desafio com a mesma coragem e frontalidade com que tem enfrentado tanto fogo, tanta tragédia, nos seus poucos, mas tão intensos, anos.
Com todos, agora e aqui, partilho, com a sua autorização, as suas sinceras palavras:

Posso responder, sim (…), embora não tenha escrito antes pois também não quero ser aborrecido e assim tipo chato...!

Sim, já lidei muitas das vezes com todas essas emoções humanas nos outros, e tenho de dar sempre a volta, é essa a minha função e já lidei com a tristeza de perder um familiar, [com] a raiva que têm muitas vezes por mim, porque o trabalho que fiz não deu frutos positivos, no caso da saúde.
Também já lidei muitas vezes com casos de pânico e de desespero, uma pessoa sentir que está em risco e vê-se pelo olhar que, quando nós chegamos, agarram-nos (quando ainda conseguem) como se nós fossemos "a vida", mas o mais gratificante é ver a alegria nos olhos de uma pessoa por ter sido salva!, por um familiar já estar bem! Por muitas coisas!... E aí olham-nos como se fossemos deuses, muitas das vezes fazem de tudo para não perder o contacto com quem as salvou!, porque lhe vai ficar grata o resto da vida e é muito bom sentir isso... muito bom mesmo! O lado mau é quando vamos para socorrer e muitas das vezes somos mal recebidos, muitas das vezes chega a haver agressões verbais e físicas, mas nem assim se perde a vontade de ajudar!!

Pergunta-me se eu nunca senti medo, ou vi o medo nos rostos dos outros bombeiros e das pessoas com dramas de doenças, incêndios, desastres, etc.

Toda a gente sente medo e por ser bombeiro não sou diferente, posso não mostrar que tenho medo mas sim, já senti esse medo, eu e muitos colegas. Ainda esta época de fogos, enquanto estive no Parque Nacional da Peneda Gerês, eu e todos os meus colegas passámos muitos momentos em que tivemos medo, mesmo assim nunca o mostrámos, tanto que muitas das vezes tiveram de ser superiores a ir-nos buscar para fugir mesmo à última da hora porque já estávamos em risco, e estávamos a ficar cercados pelo fogo, uma das vezes, inclusive, tivemos de ficar em cima de um pedregulho durante uma hora e meia à espera que o fogo se afastasse para podermos sair dali, mas isso é o que incentiva os bombeiros, é o risco...

"Nunca sentiste vontade de chorar, ou cansaço?"

Sim, já senti vontade de chorar, tanto por alegria, como por tristeza e pânico! Por pânico, quando ia socorrer uma bebé de 3 dias que tinha deixado de respirar e encontrava-se inconsciente, e pânico esse porque uma criança de 3 dias é um Ser muito pequeno e imprevisível, não se pode fazer muita coisa como bombeiro, para socorrer um criança desse tamanho, por motivos de não termos equipamento para esse socorro nem formação para tal! Mas mesmo assim optei por fazer o pouco que sabia como cultura geral e correu bem, a menina reanimou e começou a respirar normalmente e ainda hoje a vejo, já com um ano, e é uma criança saudável e feliz e é cada vez que a vejo que me sinto feliz...
Já chorei de tristeza, por exemplo, quando se perde um colega e amigo, pois não é fácil aceitar, como está a acontecer presentemente nos Bombeiros da Pontinha...!
Cansaço!? Muito! Mas bastam 30 minutos de sono para trabalhar mais 24 horas sem parar, como aconteceu comigo no Gerês, onde almoçava às 7 da tarde rações de combate e jantava às 5 da manhã a mesma coisa, assim sucessivamente durante 4 dias e só dormia quando o fogo estava em locais de acesso impossível, e também devo frisar que fomos 60 bombeiros de Lisboa numa viagem que demorou 5 horas e ainda fomos para lá apaga fogos com quilómetros de extensão. Só com pás, e andávamos a pé... sem carros!

"Nunca alguma coisa da tua experiência de bombeiro te deixou a pensar mais do que uma vez?"

Sim! Muitas vezes ... muitas vezes pensamos o que andamos nós a fazer a arriscar a vida sem receber "nada" em troca! Não compensa muitas vezes deixar a família toda em casa e sair a correr como já aconteceu comigo muitas vezes. Ainda recentemente, no meu dia de aniversário tinha um jantar combinado com a família, a namorada e os amigos e perto da hora de jantar tive de ir para um incêndio florestal fora de zona (Carregueira), onde passei lá a noite!! É por isso que penso muitas vezes, mas quando chega a altura de ir não penso 2 vezes!

"Nunca sentiste raiva por quereres ajudar e não conseguires?"

Por conseguir não, porque tenho de arranjar sempre maneira de conseguir, mas pode-se dizer que já senti por não conseguir como eu pensei e ter de arranjar outra maneira que na altura nem eu imagino bem como, logo se vê! Acontece constantemente a nível geral mas temos sempre de manter a calma para quem está ao nosso redor não o sinta, e deixar acontecer e agir!

"Nunca sentiste que fracassaste?..."

Sim... na maioria das vezes sem culpa, principalmente quando se perde uma vida, e nós damos tudo por tudo para reverter isso ou para evitar isso, e não vemos frutos positivos e quando ouvimos os familiares próximos a lamentar-se pelo sucedido, muitas vezes com revolta, sim, sinto que fracassei e só me resta sair de cabeça baixa, embora saiba que fiz tudo o que podia e que aquilo tinha de acontecer e não havia volta a dar...!

Caro Tiago, depois de tudo o que dizes, assim de maneira tão pessoal, tão franca, eu devia calar-me, as tuas palavras mereceriam todo esse respeito. Sim, vou calar-me mas ainda tenho de te dizer que mereces que, aula após aula, eu dê o meu melhor, sempre mais e sempre melhor e, mesmo assim, será sempre pouco para agradecer e retribuir o tanto que todos nós já devemos aos teus ainda tão jovens anos. E devemos também aos teus camaradas bombeiros.
Pronto, calo-me. Porque isso me compete. As tuas palavras são a música de que fala o profeta.
Abraço-te até aos ossos, muito afetuosamente.

segunda-feira, setembro 20, 2010

O grande assassino das crianças

O GRANDE ASSASSINO DAS CRIANÇAS
Com a ajuda da Visão (n.º 915) fiquei com os números atualizados: 4000 crianças morrem todos os dias devido a doenças provocadas por falta de água e saneamento (mais que a SIDA, a malária e o sarampo juntos). Segundo um relatório da ONG britânica WaterAid, intitulado The Biggest Child Killer, só no século XXIII é que a totalidade da população a sul do Sara deverá ver cumprido esse objetivo (dispor de saneamento básico e água potável). Nós cá estaremos para ver (Desculpe-se a ironia...).
Vai chegar o Ano Europeu das Atividades de Voluntariado (proclamado pelo Conselho da União Europeia, para 2011), será este drama mundial um bom tema para orientar os nossos esforços e a nossa atividade.
À beira do Dia Internacional da Paz (21 de Setembro), não seria de dedicarmos já algum do nosso pensamento a esta questão?

quarta-feira, setembro 15, 2010

- "Será que a perfeição existe?"

Abri hoje mais um curso de Psicologia na Escola Secundária Eça de Queirós (Olivais-Lisboa), perguntando aos alunos da minha turma do 12.º ano:
- "Será que a perfeição existe?"
A resposta foi unânime, mesmo que a força das convicções tenha variado: vamos todos empenhar-nos em reconhecer para nós e mostrar aos outros que a perfeição estará ali entre nós, na sala de aula, ao longo do ano de trabalho que agora iniciámos.
No fim da aula, mesmo antes do toque de saída, foi Miguel Torga que deixou ditas as últimas palavras. Foram estas, a desafiar-nos para o prazer de aprender, num constante e entusiasmante diálogo entre todos, os alunos e o professor; e os outros professores:

INSTRUÇÃO PRIMÁRIA

Não saibas: imagina...
Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.

Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um a-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...

Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...

domingo, setembro 05, 2010

Causa "Abaixo as mochilas da escola supercarregadas de livros"

Numa reportagem que hoje vi na RTP Notícias sobre o regresso às aulas, falou-se de muita coisa, tendo um pormenor passado despercebido: há um primeiro momento em que uma criança se esforça por recitar o alfabeto perante as câmaras, ali com o microfone bem apontado à boca. Depois, num segundo momento, aparece a mesma criança a tentar pegar, a muito custo, numa mochila supercarregada de livros, cadernos e outro material escolar.
Ora, tenho para mim que essa era, na verdade, a situação mais grave apresentada na reportagem! Quantas vezes vemos as crianças caminhando desajeitadamente na rua por causa do peso da mochila que levam às costas para a escola! Quantas vezes é o pai, a mãe, o avô ou a avó a levar a mochila para a escola porque a criança não aguenta com aquele peso!
Penso que é mesmo um problema de saúde pública! Grave!
Não é novidade denunciar esta situação. "Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura."
Cada vez mais, hoje em dia, os estudantes dos anos terminais do ensino secundário vão para a escola praticamente sem nada, quase só com uma esferográfica e um caderno mais ou menos retorcido num bolso ou na cova da mão. Mas, no ensino básico, a maioria das mochilas são autênticas cruzes de crucificação que comprometem o desenvolvimento físico saudável das crianças.
Ora aqui está um tema que merecia uma Causa no Facebook. São tantas as causas que agora, em catadupa, chegam todos os dias pela Internet a nossas casas.
NÃO HÁ, SEGURAMENTE, NECESSIDADE DE SER ASSIM!
NÃO PODE SER ASSIM!
ABAIXO AS MOCHILAS DA ESCOLA SUPERCARREGADAS!
Há anos subi o Kilimanjaro, com amigos, em que só um não era professor. À entrada do Parque Natural, o peso das cargas de cada um dos carregadores (adultos) era fiscalizada: não podia exceder os vinte quilogramas por carregador.
Penso que, proporcionalmente à idade e ao peso corporal, há muitas crianças portuguesas que carregam muito mais que esses vinte quilogramas. Que dizem os pais?... Que fazem os professores?...

domingo, agosto 22, 2010

sábado, agosto 21, 2010

Terapia Verde. Quem não precisa desta terapia sei eu bem quem é, é o Zé Geadas

Regresso à natureza. O seu filho vai ser mais saudável se brincar ao ar livre

por Marta F. Reis, Publicado em 21 de Agosto de 2010 | Actualizado há 11 horas
O medo e a tecnologia mataram as brincadeiras na praceta e as subidas às árvores. E também criaram crianças mais obesas, agressivas e descontroladas. A terapia verde está a ganhar adeptos - muitos deles cientistas
José Carlos Cunha leva a filha a brincar ao estádio do Jamor
José Carlos Cunha leva a filha a brincar ao estádio do Jamor
Em 2003, um estudo em 109 escolas primárias do Reino Unido concluiu que as crianças de oito anos conseguiam identificar 83% de 150 personagens dos desenhos animados japoneses Pokémon mas não reconheciam a fotografia de um escaravelho, de um veado ou de um carvalho. "O nosso estudo tem duas mensagens: a primeira é que as crianças têm uma capacidade enorme para aprender acerca de criaturas, sejam elas naturais sejam artificias. A segunda é que parece que os defensores da natureza estão a sair-se pior que os criadores do Pokémon", provocaram os investigadores em entrevista ao jornal britânico "The Independent".

Na última década a investigação do impacto da natureza no desenvolvimento ganhou novo fôlego, com dezenas de estudos a tentarem mostrar o papel protector da natureza na saúde, mas também na fortalecimento de competências como a criatividade ou a concentração, ou até na diminuição da taxa de criminalidade.

Mas estas lições científicas só aos poucos vão entrando na rotina familiar.
(continuação da notícia: seguir a hiperligação do título deste apontamento)

segunda-feira, agosto 16, 2010

A mãe de Jean-Jacques já deve mesmo ter cabelos brancos

Como já escrevi várias vezes, sempre que posso, tento saber que é feito daquelas crianças que foram famosas a cantar, ou a representar um papel num filme, ou a praticar um desporto.
Agora, soube de um pequeno que, aos 12 anos de idade, representou o Mónaco num concurso Eurovisão da Canção. Foi em 1969, e ficou em 6.º lugar.
Lembro-me ainda bastante bem da interpretação dele, era na altura em que, também para mim, este concurso de canções era absolutamente imperdível.
Ao rever a atuação, fico novamente encantado com a voz e a expressividade facial e gestual do rapazinho - tão em harmonia!, em meu entender, com a letra e a música. Parece mesmo que ele está ali a falar com a mãe, a gente quase que a vê em frente dele, a acentuar-lhe a alegria a a modular-lhe a aflição do sonho.
Tudo era, na interpretação do tema, muito alegre e gaiato; o próprio maestro, Hervé Roy, tinha apenas 25 ou 26 anos.

Que seria, então, feito dele, quarenta anos depois?...Na pesquisa breve que fiz, havia quem o considerasse já morto, num acidente de viação. Felizmente, não.
É cerca de um ano mais novo do que eu, e foi, na última época desportiva, treinador da equipa francesa que foi campeã nacional de rugby, no escalão júnior.
Ele aqui está, numa das raríssimas fotografias que aparece na Internet.


Não sei se ele continua a cantar, vou procurar. Mas, ao que parece, segue um estilo de vida saudável e promove o mesmo estilo de vida junto de fornadas de jovens. Agora, crescido, é Jean-Jacques Bortolaï.
Assim é bom, assim é bonito, assim gosto.

Já agora, aqui fica a letra:
Maman, maman, j'ai fait un rêve merveilleux
Maman, maman, et que j'étais devenu grand

Je marchais au pas, casque, fusil et sac au dos
Dans la lumière d'un matin, le soleil brillait tout là-haut
Il me suivait comme un copain

Maman, maman, j'ai fait un rêve merveilleux
Maman, maman, nous étions partis tous les deux

Sur un grand bateau, tout blanc, flottait pavillon haut
Et moi j'étais le commandant, parti pour les îles du vent
Tu étais fière de moi, maman

Maman, maman, j'ai fait un rêve merveilleux

Mais soudain tout s'arrête de mon rêve d'enfant
Et je vois apparaître la vraie vie des grands
J'ai le temps, j'ai le temps

Maman, maman, j'ai fait un rêve malheureux
Maman, maman, je te voyais les cheveux blancs

Je veux oublier le soldat et le grand bateau
Auprès de toi je veux rester et que Dieu te garde longtemps
Toi, la plus belle des mamans

Maman, maman, je veux rester encore enfant
Garde-moi près de toi, maman
Garde-moi près de toi, maman

Composer(s)Jo Perrier
Lyricist(s)Jo Perrier
ConductorHervé Roy

quarta-feira, julho 28, 2010

Brincar na lama

Esta fotografia, publicada na edição on line do Público, faz-me lembrar uma afirmação de Konrad Lorenz, em que ele reflete sobre o que verdadeiramente tem importância na educação das crianças:
Onde as rãs sobrevivem, as crianças medram.
Fotografia de Mohsin Raza, da Reuters
Brincar na lama: Uma criança aproveita as fortes chuvas trazidas pela monção, na cidade de Lahore, Paquistão, para brincar no meio da lama. Segundo os serviços meteorológicos paquistaneses, as chuvas vão continuar na região.

As crianças, espontaneamente, procuram explorar, tanto quanto podem, os seus diversos tipos de sensações. As crianças gostam de sentir, mesmo sem pensar nisso, cada bocadinho de pele a trazer-lhe uma novidade de temperatura, de textura, até de prurido; até ao arrepio, se for caso disso. Cheirar, levar à boca, pôr o ouvido bem à escuta, de cabeça à banda, ouvido bem focado num som ou num barulho. Os olhos, ajudados pela imaginação penetram tudo até ao tutano, qual visão X do Super-Homem.
Dramaticamente, os pais das crianças enrodilharam-se em ideias - algumas, verdadeiras; outras, enganadas; outras ainda, fantasiosas - a propósito de doenças, de bactérias e perigos mil para a saúde. E não os deixam cair na lama, que bem preciso é, desde pequenino, lá enfiar o "focinho" e de lá aprender a sair.

domingo, junho 27, 2010

UN Secretary-General invites you to be a Citizen Ambassador

É um desafio engraçado, tornarmo-nos Embaixadores da Cidadania. Em todo o mundo.
Porque não tentar?... Por mim, disponho-me a fazê-lo e a ajudar quem o queira fazer também. Força!
Tantas vezes que nos interrogamos como podemos participar ativamente nas grandes questões do mundo. Esta talvez seja uma oportunidade interessante.

Does the Internet Discourage Deep Thinking?

Sim concordo inteiramente. Bem me apetecia que não fosse assim, mas concordo: a Internet (o seu uso habitual) desencoraja o pensamento mais complexo e mais profundo.

domingo, junho 20, 2010

Uma palavra de homenagem a José Saramago

Uma palavra de homenagem a José Saramago


Se hoje tivesse sido inverno, se tivesse nevado... se eu hoje fosse a criança, eu teria pintado a neve de preto.

Saramago morreu a dizer-nos que não há céu, que o céu não existe; e que um dia deixamos de estar onde estamos agora, deixamos de ver as árvores que agora vemos. E depois disso não há mais nada.

Não sabemos, nunca, nunca, nunca, o que verdadeiramente cada um sente sobre a morte e sobre a sua própria morte. Podemos ler, reler e voltar a ler tudo o que Saramago disse sobre a vida, sobre a morte, e sobre a morte depois da vida. Sabemos que ele gostava de viver e que tinha pena de deixar de viver. Mas nunca saberemos o sentir que ele levou com ele. Nem quando ele diz que gostava que lhe pusessem, de vez em quando, uma flor junto às suas cinzas, para ele pensar que se lembravam dele.

Tomando o sentido de palavras que tanta vez repetiu, Saramago não morreu aconchegado com a Esperança, nem com a Fé. Desejo, muito sinceramente, que tenha tido o aconchego mais importante de todos, que a todos os seres humanos desejo: esse mesmo, o aconchego humano. Este sentir, eu consigo sentir empaticamente, e isso reconforta-me.

sábado, junho 12, 2010

Trabalho Infantil e Pobreza - ILO Reports on Child Labour Globally

Há objetivos para 2016.
Que, quase seguramente - e infelizmente -, não se vão atingir.
Hoje em dia, são 215 milhões de crianças.
A principal causa do trabalho infantil é a Pobreza. Por isso, há que continuara a lutar muito contra a pobreza.

quinta-feira, junho 10, 2010

Educação Sexual nas escolas - outro episódio

A sempre polémica e acaloradamente discutida Educação Sexual nas escolas.
Agora apareceu um kit de educação sexual, em que, entre tantas coisas que diz ou apresenta que nos deixam de olhos esbugalhados, se fala que "os espermatozóides do meu pai começaram a correr loucamente para ver qual atingia primeiro o óvulo da minha mãe". Quer dizer, continua-se, pretenciosamente invocando as mais nobres ou respeitadas ideias pedagógicas, a imbecilizar as pessoas (crianças e jovens) a quem a educação se dirige, e a imbecilizar temas ou assuntos que mereceriam outro senso (muito bom senso!) e outra competência (verdadeiramente) científica.
Enfim, a Terra continua a girar sobre si própria e também à volta do Sol.

No meu entender, o grande erro da Educação Sexual é estar centrada nas crianças, nos jovens e nas escolas. A verdadeira educação sexual deveria estar centrada nas famílias. Há famílias que são difíceis?... Ora, esse é que é o verdadeiro desafio!... Eduquem-se as famílias que elas encontrarão os momentos e as formas mas adequadas e oportunas para abordar a sexualidade enquanto dimensão da vida; aliás, como outras dimensões igualmente importantes.

domingo, junho 06, 2010

Escravos e Multiculturalidade - História e Mar

Na nossa escola, a Escola Secundária Eça de Queirós, cada vez mais o valor que nos é reconhecido, é o da multiculturalidade e da diversidade étnica e nacional.
Entretanto, as páginas dos manuais oficiais de História que continuamos a usar na escola - e outros, nas outras escolas - continuam a ser escritas com enérgicas pinceladas de glória no que à nossa relação com o Mar diz respeito.
Terminei hoje a leitura do romance de José Eduardo Agualusa, "Nação Crioula", publicado em 1998, e galardoado com o Grande Prémio de Literatura RTP.
O Nação Crioula foi o último barco do tráfico negreiro que saía de Angola e chegava ao Brasil.
Já mesmo a acabar o romance, Agualusa põe na pena de uma das suas personagens principais [Ana Olímpia, escrava filha de outra escrava] a escrita das seguintes palavras:
"Muita gente não compreende porque é que os escravos, na sua maioria, se conformam com a sua condição uma vez chegados à América ou ao Brasil. Eu também não compreendia. Hoje compreendo. No navio em que fugimos de Angola, o Nação Crioula, conheci um velho que afirmava ter sido amigo de meu pai. Ele recordou-me que na nossa língua (e em quase todas as outras línguas da África Ocidental) o mar tem o mesmo nome que a morte: Calunga. Para a maior parte dos escravos, portanto, aquela jornada era uma passagem através da morte. A vida que deixavam em África, era a Vida; a que encontravam na América ou no Brasil, um renascimento." (Publicações D. Quixote, p. 149-150. 2010)
Quer dizer, se quisermos continuar a ufanar-nos com a realidade da nossa diversidade cultural, temos de ser um pouco mais discretos com a exibição dos nossos feitos no Mar. É que, pelo menos em parte, a glória marítima que cantamos foi ganha à custa de muito horror humano, muito desenraizamento social e muita sobranceria cultural e étnica.
Saibamos fazer agora o que é preciso fazermos.

sexta-feira, maio 28, 2010

Fernando Nobre, presidente da AMI, esteve na nossa escola

O n.º 4 do "Eça Voz", jornal da Escola Secundária Eça de Queirós (de Junho de 2010), traz publicado o seguinte texto, de que sou autor, e que tive todo o gosto em escrever, a pedido da minha querida colega Ana Paula Ribeiro, que queria um pequeno texto biográfico de Fernando Nobre, que muito recentemente esteve na Eça de Queirós, na qualidade de presidente da AMI.
Foi um convite de longa data, já do ano passado, que as colegas Maria Eduarda Luz e Manuela Alcobia nunca desistiram que se concretizasse.

Fernando Nobre é certamente uma pessoa, um português, que faz juz ao adágio popular que diz que uma árvore se conhece pelos seus frutos.

Como os navegadores da época que faz a idade de ouro da História de Portugal, ele saiu do descanso do seu jardim à beira-mar plantado e foi ao encontro das intranquilidades e dos desafios do Mundo, os desafios trazidos pela pobreza, pelo atraso no desenvolvimento e pelo sofrimento causado pelas guerras e pelos cataclismos naturais.

A canção diz que o conquistador já foi ao Brasil, Praia e Bissau, Angola, Moçambique, Goa e Macau; foi até Timor. Fernando Nobre também foi a essas paragens e a muitas mais, já foi a mais de cento e sessenta dos espaços geográficos identificados com nomes de países. E não foi como conquistador, nem de terras, nem do ouro, nem de especiarias. No jeito que foi, e sem que fosse o tal conquistador, acabou por conquistar os corações de muita gente, de línguas, culturas e riquezas bem diferentes dos dele próprio.

Muitos, nos Descobrimentos Portugueses, saíram a barra de Lisboa como missionários, a evangelizar, a converter a um credo. Fernando Nobre chegou a todos os credos e ninguém ele quis converter. Se alguém quisesse, em gesto de reconhecimento e gratidão pela ajuda dele recebida, que ele perguntasse qual o mais sábio e justo credo dos homens, ele lhe responderia: “O credo da solidariedade humana, dia-a-dia, hora-a-hora, longe e bem perto de nós”.

Médico de formação e profissão, criou a AMI, Assistência Médica Internacional, em 1984, instituição não governamental que é hoje internacionalmente reconhecida na área da assistência humanitária em situações de catástrofe e de combate ao subdesenvolvimento.

Quando falamos com ele, o olhamos olhos nos olhos e lhe perguntamos: “Tu é isso que fazes, e eu?... que posso eu fazer?...”, Fernando Nobre diz-nos que ele faz como o passarinho de Sariã, a floresta da Índia que um dia foi tomada por um fogo tremendo. Gota a gota, sem descanso, traz no seu bico a água aflita para salvar as árvores e os animais. A seguir diz-nos que a gente sabe o que acontece quando juntamos as coisas, gota a gota, grão a grão; cabe-nos, com essa consciência, decidir o que fazer. A floresta de Sariã continua a arder, mais do que nunca até.

Como homem, Fernando Nobre cumpriu-se na profissão de abraçou, na família que constituiu, nos filhos que gerou. Filhos a quem bondosamente já ameaçou que, se as forças ainda lhe chegassem, lhes desfaria nas costas as bengalas que tem lá em casa se eles o abandonassem na velhice, como vê acontecer com tantos idosos, de tantos lares, que visita.

Receber uma pessoa assim na nossa Escola é um privilégio. Saibamos merecer a visita que nos fez. Vamos com ele salvar a Floresta de Sariã.

sábado, maio 15, 2010

Fernando Pessoa e a mãe

Fernando Pessoa terá escrito a primeira quadra à sua mãe.
Terá, porque não é seguro que o tivesse sido. Provavelmente esta certeza é a mesma que põe as mães a dizerem que a primeira palavra que os seus bebés disseram, quando começaram a falar, foi "mamã".
Seguro apenas é que terá dedicado "à minha mamã" os seguintes versos:

Eis-me aqui em Portugal
Nas terras onde eu nasci
Por muito que goste delas
Ainda gosto mais de ti

Há uma diferença grande entre dizer "ainda gosto mais de ti" e "de quem (do que) eu gosto mais é de ti." A forma escolhida por Pessoa é muito mais interessante do ponto de vista da expressão das emoções. Na forma por ele escolhida, o acento tónico é posto na emoção em si, Pessoa toma consciência da intensidade da emoção que experimenta; na outra forma, o acento tónico ficaria mais centrado na perceção afectiva do objecto sobre o qual recaía a emoção. Pessoa não quis simplesmente louvar a mãe, quis mesmo transmitir-lhe o que tinha consciência que sentia por ela dentro dele.
A mãe terá gostado da carinhosa declaração do filho, com sete anos de idade, mas não terá deixado de lhe observar que em vez de "ti" deveria ser "si", é que não se devia tratar a mãe por tu!...
Espero que a mãe tenha feito esta censura com muita brandura e sem se esquecer de o aconchegar com um miminho.

quinta-feira, maio 13, 2010

O burro carregado de livros, o verdadeiro é este

Esta é daquelas coisas que pedem que a gente passe a palavra.
Recebi-a de António Eça de Queirós, passo-a a quem a quiser pegar.
É sobre as crianças,
é sobre os professores dedicados,
é sobre os burros pacientes e esforçados,
é sobre a pobreza que se combate,
é sobre a ignorância que se abate.
Em "Poetas de Hoje e de Ontem", os autores do livro dizem que Afonso Lopes Vieira organizou no seu palácio vários espetáculos para as crianças do bairro. O poeta leiriense, que nasceu em 1878 e faleceu em 1946, escreveu o seguinte poema, que parece talhado para este vídeo. Felizmente não é!... Mas é só por causa do dono!... O dono de que o poeta fala não é o professor colombiano.
Cuidadosos,
os burrinhos
vão andando
por caminhos.

Levam sacos,
levam lenha...
pesa a carga
que é tamanha!

Levam coisas
p'ra o mercado
no alforge
tão pesado.

E transportam
tudo, tudo
no seu passo
tão miúdo.

Tão miúdo,
tão esperto.
que anda tanto
por ser certo.

Do seu dono
que seria
sem o burro?
que faria?

E esse dono,
quando é mau,
dá-lhe, dá-lhe
com um pau!

E o burrinho
sofre então...
tem nos olhos
o perdão!