domingo, outubro 30, 2011

É um simples jogo. Mas eles estão concentradíssimos.

De Moçambique, em jeito de mensagem de parabéns, recebi hoje este lindíssimo texto. Foi o João Figueiredo que mo mandou. Ele próprio é o autor do texto.
"São jovens. Não devem ter mais de vinte e poucos anos e são magros.
Têm cabelo curto e vestem roupas sujas. Estão sentados no chão e consigo observar os seus pés calejados.
À sua frente passam carros numa estrada de alcatrão cheia de buracos e com areia e vidros partidos amontoados junto à berma do passeio. Atrás deles, crianças semi-despidas brincam na pouca areia que existe numa praia com muito lixo.
Perto deles, ao alcance de um braço estendido, estão dois trapos com alguns artigos de madeira expostos. Rostos moçambicanos, porta-chaves, pulseiras, fios, anéis, carros, enfim… de tudo um pouco. Mas não há clientes.
Não sei se já conseguiram vender qualquer coisa hoje. Mas isso também não parece ser importante.
Estão concentrados noutra coisa. Estão frente a frente. Não querem saber dos brancos. Não estão preocupados se amanhã vai chover. Agora, tudo o que interessa é o jogo.
Sobre um pedaço de esferovite que já foi a tampa de uma caixa para transporte de peixe, consigo distinguir algumas linhas. É um xadrez improvisado.
O branco não é branco. É um branco sujo. Tão sujo, que quase parece castanho. É um branco gasto pelo tempo e colorido pela pobreza e falta de condições de vida.
O preto não é preto. É escuro. Talvez tenha sido pintado de preto. Mas já não é. É escuro.
Sobre o tabuleiro de esferovite há damas. Mas também não são damas. São tampas de garrafas de coca-cola. Então? Como é que estes vendedores, que agora são jogadores, conseguem perceber quais são as suas peças? É fácil! Umas estão voltadas para cima e as outras para baixo. É simples, não é?
É um simples jogo. Mas eles estão concentradíssimos. Nada parece ser mais importante. Nem mesmo os clientes. Para eles tudo o que interessa são as tampas de coca-cola. Tudo o que interessa é o jogo. Pelo menos, por agora.
E a crise? Onde é que está a crise?
Em todo o lado. A todo o momento. Mas aqui não se sente.
Desde que vá havendo tampas de garrafas de coca-cola haverá jogo…haverá vida."


segunda-feira, outubro 24, 2011

Falar claro, claro! Na escola e em todo o lado.

Que bom ouvir esta pequena palestra em português!
Muito interessante, muito clara, à atenção de professores, de alunos e da cidadania de todos nós!
Sandra, um grande abraço para o senhor Domingos!



Para chegar ao sítio na Internet da Sandra clicar aqui.

sábado, outubro 22, 2011

O habitante 7 mil milhões está a chegar

O mundo, com a aprovação oficial das Nações Unidas, prepara-se para receber o habitante sete mil milhões (7 000 000 000) do planeta Terra.
Às tantas, hei de estar eu a fazer saltar a rolha da garrafa de espumante para celebrar o meu aniversário e os meus vizinhos hão de pensar que estou a celebrar a chegada deste habitante tão especial. É que as Nações Unidas preveem que ele nasça ali bem pertinho do meu dia de anos: faço anos a 30 de Outubro e a previsão oficial é para 31.
Um contador sofisticado vem atualizando os números, segundo a segundo.
As Nações Unidas estão empenhadas em que muita gente, gente de todo o mundo, participe na celebração da chegada da nova unidade de milhar de milhões.
A razão não é para menos: o desafio é enorme, à escala mundial. Se cada nascimento de uma nova criança deve ser sempre motivo de celebração alegre e partilhada, as atuais condições políticas, ambientais e de consumo dos recursos disponíveis na Terra deixam-nos apreensivos quanto às possibilidades de vida, agora e já no futuro próximo, de tanta gente igual a nós nas alegrias, nos sofrimentos; nos direitos e nos deveres.
As Nações Unidas lançam-nos alertas e propostas.
Na Língua Portuguesa, parece que Cabo Verde vai à frente, será um exemplo para os outros países falantes da nossa Língua.
De que estamos à espera?...

sábado, outubro 08, 2011

A viagem a Ermua e o Professor Aníbal Pinto de Castro

Passa das 3 da tarde. Estou em trânsito, de Lisboa a Coimbra. Estou na Nazaré, no papel de chauffeur.
Acontece que, por momentos, sou chauffeur dispensado das suas obrigações. Quem me requisitou ao seu serviço está agora numa reunião de médicos.
Tentei tirar partido da liberdade que a dispensa me proporcionou: fui ao mercado tradicional da terra à procura dos velhos bolos de feira. Encontrei alguns, mas ao domingo -diz-me quase com pena de mim o senhor Joaquim, pegando numa pequenina broa e oferecendo-ma, como que para me consolar- é que há os que eu gostaria de mandar para a minha mãe. A minha "patroa" de hoje, a minha irmã, volta amanhã muito cedinho para o Faial, a horas que não nos permite tirar partido de amanhã ser precisamente domingo, o tal dia da semana que é o único que tem os bolos em forma de bonecas. Voltarei eu cá em breve, noutro domingo. Antes que chegue o Natal, para que a senhora idosa que está no Faial sinta que o Menino Jesus pensou mesmo nela.
Depois do mercado fui para a marginal, à procura de mesa para almoçar. Ainda era cedo, mas os sentidos traziam já os aromas tentadores dos peixes a grelhar. A esplanada a que me sentei praticamente obrigou-me a optar por uma salada de polvo; grelhados, ainda não, as brasas estavam atrasadas, que eu os desculpasse. O sentido do paladar reclamava sabores de maresia mais fresca; o estômago puxava avidamente para o excesso da gula. Preteri um e outro a favor do conforto pachorrento e resguardado do corpo; e a favor da vontade imperial da visão. Pronto, daquele lugar eu não me mudaria, que viesse a salada. O sentido da visão, portanto, esse, sim, empanturrou-se como pode. Seguramente escolhi a mesa com a panorâmica mais próxima, mais viva e mais completa do mar da Nazaré, ali em frente, e do Sítio, lá em cima, sobre o lado direito. Depois de quase cansar os sentidos a ver e a ouvir o mar, tirei algumas fotografias.
A seguir, já na praça da baixa nazarena, aproveitei a modernidade da pública rede wireless, peguei no pequeno computador portátil, e pus-me a deitar mais lenha na fogueira do Comenius que ainda arde intensamente, agora que está passada uma semana completa sobre a empresa escolar partilhada de Ermua, no País Basco.
Daqui a três horas estarei, já sem patroa, só com irmã, em Coimbra a lembrar, junto de outros, o falecimento de um dos mais importantes vultos dos estudos literários das universidades portuguesas: o professor Aníbal Pinto de Castro. Tive o privilégio de ser seu primo, amigo e confidente. Um dia ele, a tentar demover-me de fazer o meu doutoramento em Psicologia, perguntou-me porquê, se, afinal, havia tanta coisa verdadeiramente bonita e interessante para fazer nas escolas com os alunos; e que já havia muita gente com canudos grandes. Ri-me, sem me deixar convencer por ele. E disse-lho.
Tenho a certeza de que daqui a pouco, quando o ato religioso na igreja da Rainha Santa Isabel nos convidar ao recolhimento, eu vou falar ao meu primo Aníbal na viagem a Ermua, o que lá aconteceu, e sei que ele vai aprovar a minha participação nesta ação, que moveu um número razoável de alunos e professores de vários países da Europa.
Já agora, que acabo de escrever duas ou três palavras com uma grafia que até há pouco tempo era diferente, deixem-me dizer que o professor Aníbal Pinto de Castro, o seu ponto de vista sobre este assunto, foi determinante para que não adiasse hesitantemente ou contrariadamente a minha adesão ao acordo ortográfico que tanta polémica tem mantido. E se cuidadoso procuro ser no trato da língua que foi mãe dele e é também minha mãe (é a outra mãe que tenho, a da matriz cultural, não a biológica de que falei ainda há pouco), a alguns gigantes devo o exemplo de tal cuidado; ele, o meu primo Aníbal, é - foi-no sempre! -, seguramente, um dos mais poderosos de todos esses gigantes! Qual Colosso de Rodes, à beira do qual, desde muito pequeno, sempre me senti protegido, ele sempre fez projetar a luz que me levou, encantado e entusiasmado, para Alexandria, à procura de outras luzes.

P.S. 1 - Enquanto escrevia este apontamento, fui notificado por mensagem de telemóvel: a dispensa de chauffer termina às 16h30. A essa hora, viatura pronta para seguir viagem. A doutora terá terminado a sua reunião aqui neste hotel da Pederneira, sobranceiro ao mar e à povoação da Nazaré, pelo lado sul.
P.S. 2 (acrescentado hoje, dia 9 de outubro, em razão do acrescentamento da fotografia na sala da Confraria da Rainha Santa Isabel) - Agradeço muito vivamente, do fundo do coração, ao "Cajo", a gentileza (como diria o primo Aníbal, a pachorra de nos aturar!) de, no meio da azáfama profissional em que estava quase afundado, tirar a fotografia em que os dois irmãos puderam ficar juntos do primo de que guardam ternas, saudosas e exemplares lembranças.

quarta-feira, outubro 05, 2011

Dia Internacional do Professor, 2011

Na edição desta ano do Dia Internacional do Professor, proponho a leitura dos seguintes textos:

O primeiro é de um jovem do Canadá, de 15 anos de idade, lido no Dia Internacional do Professor, em 2002, nas Nações Unidas:
"What we need are good teachers who can get you to question yourself and what you know about the world, and who build communities in schools. Good teachers are what we need" (Nikki Sanchez-Hood, 15yrs, Canada)
(http://portal.unesco.org/education/en/ev.php-URL_ID=5217&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html)


O segundo tem a chancela do mestre Agostinho da Silva, que tive ainda a felicidade de conhecer pessoalmente e de o visitar em sua casa:
O Professor como Mestre
Não me basta o professor honesto e cumpridor dos seus deveres; a sua norma é burocrática e vejo-o como pouco mais fazendo do que exercer a sua profissão; estou pronto a conceder-lhe todas as qualidades, uma relativa inteligência e aquele saber que lhe assegura superioridade ante a classe; acho-o digno dos louvores oficiais e das atenções das pessoas mais sérias; creio mesmo que tal distinção foi expressamente criada para ele e seus pares. De resto, é sempre possível a comparação com tipos inferiores de humanidade; e ante eles o professor exemplar aparece cheio de mérito. Simplesmente, notaremos que o ser mestre não é de modo algum um emprego e que a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.
A sua contribuição terá sido mínima se o não moveu a tomar o caminho de mestre um imenso amor da humanidade e a clara inteligência dos destinos a que o espírito o chama; errou o que se fez professor e desconfia dos homens, se defende deles, evita ir ao seu encontro de coração aberto, paga falta com falta e se mantém na moral da luta; esse jamais tornará melhores os seus alunos; poderão ser excelentes as palavras que profere; mas o moço que o escuta vai rindo por dentro porque só o exemplo o abala. Outros há que fazem da marcha do homem sobre a Terra uma estranha concepção; vêem-no girando perpetuamente nos batidos caminhos; e, julgando o mundo por si, não descobrem em volta mais que uma eterna condenação à maldade, à cegueira e à miséria; bem no fundo da alma nenhuma luz que os alumie e solicite; porque não acreditam em progresso nenhuma vontade de melhorar; são os que troçam daquilo a que chamam «a pedagogia moderna»; são os que se riem de certos loucos que pensam o contrário.
Ora o mestre não se fez para rir; é de facto um mestre aquele de que os outros se riem, aquele de que troçam todos os prudentes e todos os bem estabelecidos; pertence-lhe ser extravagante, defender os ideais absurdos, acreditar num futuro de generosidade e de justiça, despojar-se ele próprio de comodidades e de bens, viver incerta vida, ser junto dos irmãos homens e da irmã Natureza inteligência e piedade; a ninguém terá rancor, saberá compreender todas as cóleras e todos os desprezos, pagará o mal com o bem, num esforço obstinado para que o ódio desapareça do mundo; não verá no aluno um inimigo natural, mas o mais belo dom que lhe poderiam conceder; perante ele e os outros nenhum desejo de domínio; o mestre é o homem que não manda; aconselha e canaliza, apazigua e abranda; não é a palavra que incendeia, é a palavra que faz renascer o canto alegre do pastor depois da tempestade; não o interessa vencer, nem ficar em boa posição; tornar alguém melhor — eis todo o seu programa; para si mesmo, a dádiva contínua, a humildade e o amor do próximo. (Agostinho da Silva, in 'Considerações')

A terceira proposta de leitura vem do meu grande mestre e amigo João dos Santos:
[Renúncia ao educador perfeito]
A minha formação como homem e a minha carreira como profissional, devo-a tanto às interferências positivas dos meus educadores e mestres, como, sobretudo, aos erros educativos que eles cometeram para comigo. Aprendi por intuição e experiência na vida que as atitudes erradas são tão válidas em educação como as atitudes corretasO educador em que me tornei renunciou há muito à crença mágica do educador perfeito, como o profissional que sou renunciou a esconder a ignorância com a erudição. Aprecio, portanto, os homens mais por aquilo que são (para o meu sentir) do que por aquilo que dizem.
Texto não revisto pelo autor(João dos Santos, in "Ensinaram-me a ler o mundo à minha volta", Assírio € Alvim, p. 306)