sábado, setembro 12, 2015

OS SERES HUMANOS E AS FRONTEIRAS RADICAIS DE MIA COUTO

OS SERES HUMANOS E AS FRONTEIRAS RADICAIS DE MIA COUTO

«Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras, mas só há duas nações – a dos vivos e dos mortos.»


3 documentos extraordinários! Para apreciar aos bocadinhos - sobretudo, ao lado de outros (os pais, os filhos, os alunos, os colegas, os amigos, os estranhos, os diferentes...). Ver, com olhos de ver: corte no filme, não corte em cada testemunho individual! A seguir, a seguir é falar, discutir, discutir, discutir.
O primeiro vídeo está aqui.


SUGESTÃO: não procure convencer ninguém! oiça e diga o que pensa. Diga amavelmente "Fica na tua que eu fico na minha...", mas oiça, não interrompa, e diga o que pensa.
Driven by these questions, filmmaker and artist Yann Arthus-Bertrand spent three years collecting real-life stories from 2,000 women and men in 60 countries. Working with a dedicated team of translators, journalists and cameramen, Yann captures deeply personal and emotional accounts of topics that unite us all; struggles with poverty, war, homophobia, and the future of our planet mixed with moments of love and happiness. 

sexta-feira, julho 24, 2015

Ser ou não ser - acreditar nisso ou não

Há muitos anos que digo isto aos meus alunos:
Always remember that you are absolutely unique, just like everyone else.
(Lembra-te sempre que és absolutamente único, tal como toda a gente.)
Eles olham para mim e parecem perguntar-se: «Outra deste taradinho... Onde quer ele chegar com isto?...»
Quando assim os "endoutrino", estou normalmente a falar da inteligência e do que pode ser a riqueza de pensamento de cada um deles; até para ver se se esforçam um pouco mais nos estudos. E se uns preguiçam sempre, com estas ou com outras, outros há que- não obstante a boa fé - desconfiam da verdade da minha crença, e que estou apenas a passar-lhes a mão pelo pelo, a ver se se aplicam um pouco mais nas aulas.
Bem posso eu invocar a célebre antropóloga Margarete Mead, muitas vezes apontada como a autora desta afirmação; ou de outro autor conceituado -,  pois sim, a desconfiança não abranda.
E eu que cada vez mais acredito nas diferenças individuais e no potencial inteligente e emocional de cada um!... Mesmo que a generalidade dos líderes mundiais e dos seus agentes publicitários se sofistiquem, qual Admirável Mundo Novo, nos esforços da nossa formatação, tipo "Todos diferentes?... Mas a gente põe-nos cada vez mais iguais."

segunda-feira, julho 20, 2015

Leonore Goldschmidt e o magistério de professor

"I have greatly enjoyed the cooperation and friendship of my pupils. I have learned that, in the end, nothing remains as satisfying as the love of those who come after us."
(Apreciei sempre muito a colaboração e a amizade dos meus alunos. Aprendi que, no final, nada fica de tão satisfatório quanto o apreço daqueles que nos seguem.)
Leonore Goldschmidt é uma heroína, que se libertou das leis da morte, com todo o mérito, em resultado de um esforço pessoal notável, numa das épocas histórias mais perigosas para os seres humanos, em que a arbitrariedade de dispor da vida e da morte reinava injustamente no seu país - a Alemanha, a partir da ascensão de Hitler ao poder - paradoxalmente, numa cultura que faz subir ao nível do sagrado o respeito pela Lei e pela Ordem. E os altamente inteligentes correligionários de Hitler puseram todas as suas capacidades ao serviço dos Valores contrários aos que nas sociedades humanas, desde sempre, alimentaram os princípios da Lei e da Ordem; e fizeram-no (ou melhor, começaram por fazê-lo) de uma forma altamente "sofisticada": precisamente através da Lei e da Ordem! Terá sido por questões de pueril pudor? Por viciada cegueira cultural?
As imagens eternizaram-na como "A professora que desafiou Hitler" (The teacher who defied Hitler).

sexta-feira, julho 17, 2015

SOMOS ESCRAVOS DAS NOSSAS ILUSÕES

"Há uma coisa que é ainda pior que ter um mau pensamento. É ter um pensamento acabado, todo feito.Charles Péguy, Note conjointe sur M. Descartes et la philosopie cartésienne, 1914.

Il y a quelque chose de pire que d'avoir une mauvaise pensée. C'est d'avoir une pensée toute faite.

Seria esta uma excelente citação para o meu habitual apontamento de fim-de-semana, noutro dos meus blogues, mas, pronto, outras coisas haverá para o que se avizinha.
É uma afirmação que casa muito bem com a afirmação que o velho deputado grego, de 93 anos, Manolis Glezos, lembrou a Schulz há dias, na despedida de Bruxelas: «Temo o homem de um só livro.»
Casa também muito bem com o outro pensamento de Aldous Huxley, de 1932: "A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão."
E ainda, na minha opinião, a afirmação casa muito bem com a lista que a seguir exponho, juntando-a às listas que aqui trouxe nos dois últimos apontamentos deste blogue, fazendo jus à máxima popular que diz não há duas sem três. Neste caso, portanto, três listas.
Quanto a esta, tão depressa quanto me seja possível, vou traduzi-la para português.
O seu autor chamou-lhe...


1. THE ILLUSION OF LAW, ORDER AND AUTHORITY
For so many of us, following the law is considered a moral obligation, and many of us gladly do so even the ough corruption, scandal, and wickedness repeatedly demonstrate that the law is plenty flexible for those who have the muscle to bend it. Police brutality and police criminality is rampant in the US, the courts favor the wealthy, and we can longer even lead our lives privately thanks to the intrusion of state surveillance. And all the while the illegal and immoral Orwellian permanent war rages on in the background of life, murdering and destroying whole nations and cultures.

The social order is not what it seems, for it is entirely predicated on conformity, obedience and acquiescence which are enforced by fear of violence. History teaches us again and again that the law is just as often as not used as an instrument of oppression, social control and plunder, and any so-called authority in this regard is false, hypocritical, and unjust.

When the law itself does not follow the law, there is no law, there is no order, and there is no justice. The pomp and trappings of authority are merely a concealment of the truth that the current world order is predicated on control, not consent.

2. THE ILLUSION OF PROSPERITY AND HAPPINESS
Adorning oneself in expensive clothes and trinkets, and amassing collections of material possessions that would be the envy of any 19th century monarch has become a substitute for genuine prosperity. Maintaining the illusion of prosperity, though, is critical to our economy as it is, because its foundation is built on consumption, fraud, credit and debt. The banking system itself has been engineered from the top down to create unlimited wealth for some while taxing the eternity out of the rest of us.

True prosperity is a vibrant environment and an abundance of health, happiness, love, and relationships. As more people come to perceive material goods as the form of self-identification in this culture, we slip farther and farther away from the experience of true prosperity.

3. THE ILLUSION OF CHOICE AND FREEDOM
Read between the lines and look at the fine print, we are not free, not by any intelligent standard. Freedom is about having choice, yet in today’s world, choice has come to mean a selection between available options, always from within the confines of a corrupt legal and taxation system and within the boundaries of culturally accepted and enforced norms.

Just look no further than the phony institution of modern democracy to find a shining example of false choices appearing real. Two entrenched, corrupt, archaic political parties are paraded as the pride and hope of the nation, yet third party and independent voices are intentionally blocked, ridiculed and plowed under.

The illusion of choice and freedom is a powerful oppressor because it fools us into accepting chains and short leashes as though they were the hallmarks of liberty.

Multiple choice is different than freedom, it is easy servitude.

4. THE ILLUSION OF TRUTH
Truth has become a touchy subject in our culture, and we’ve been programmed to believe that ‘the‘ truth comes from the demigods of media, celebrity, and government. If the TV declares something to be true, then we are heretics to believe otherwise.

In order to maintain order, the powers that be depend our acquiescence to their version of the truth. While independent thinkers and journalists continually blow holes in the official versions of reality, the illusion of truth is so very powerful that it takes a serious personal upheaval to shun the cognitive dissonance needed to function in a society that openly chases false realities.

5. THE ILLUSION OF TIME
They say that time is money, but this is a lie. Time is your life. Your life is an ever-evolving manifestation of the now. Looking beyond the five sense world, where we have been trained to move in accordance with the clock and the calendar, we find that the spirit is eternal, and that the each individual soul is part of this eternity.

The big deception here is the reinforcement of the idea that the present moment is of little to no value, that the past is something we cannot undo or ever forget, and that the future is intrinsically more important than both the past and the present. This carries our attention away from what it actually happening right now and directs it toward the future. Once completely focused on what is to come rather than what is, we are easy prey to advertisers and fear-pimps who muddy our vision of the future with every possible worry and concern imaginable.

We are happiest when life doesn’t box us in, when spontaneity and randomness gives us the chance to find out more about ourselves. Forfeiting the present moment in order to fantasize about the future is a trap. The immense, timeless moments of spiritual joy that are found in quiet meditation are proof that time is a construct of the mind of humankind, and not necessarily mandatory for the human experience.

If time is money, then life can be measured in dollars. When dollars are worth less, so is life. This is total deception, because life is, in truth, absolutely priceless.

6. THE ILLUSION OF SEPARATENESS
On a strategic level, the tactic of divide and conquer is standard operating procedure for authoritarians and invading armies, but the illusion of separateness runs even deeper than this.

We are programmed to believe that as individuals we are in competition with everyone and everything around us, including our neighbors and even mother nature. Us vs. them to the extreme. This flatly denies the truth that life on this planet is infinitely inter-connected. Without clean air, clean water, healthy soil, and a vibrant global sense of community we cannot survive here.

While the illusion of separateness comforts us by gratifying the ego and and offering a sense of control, in reality it only serves to enslave and isolate us.

CONCLUSION
The grand illusions mentioned here have been staged before us as a campaign to encourage blind acquiescence to the machinations of the matrix. In an attempt to dis-empower us, they demand our conformity and obedience, but we must not forget that all of this is merely an elaborate sales pitch. They can’t sell what we don’t care to buy.

quinta-feira, julho 16, 2015

Capitalismo, Imperialismo e a Loucura Cega das Teorias dos Jogos

À boleia do texto de Francisco Louça, publicado na edição do Público de hoje,
transcrevo para aqui a citação de Charles Péguy que serve de mote ao texto de Louçã, e junto-lhe outra citação de Péguy.
Curiosamente, ou absurdamente, ou significativamente, Péguy morreu nos campos de batalha da 1.ª Grande Guerra, precisamente despoletada, em última instância, pelo imperialismo alemão da altura.
Passaram 100 anos... A História repete-se?... O idealismo de Péguy é, de alguma forma, encarnado hoje por Tsipras ou Varoufakis?...

Em “L’ Argent” (1913), Péguy escreve:

“Conhecemos, tivemos contacto com um mundo (desde crianças), em que um homem condenado à pobreza estava pelo menos seguro na pobreza. Era uma espécie de contrato não-dito entre o homem e o destino e, antes do início dos tempos modernos, o destino nunca renegou este contrato. Estava entendido que os que se tivessem perdido na extravagância, no capricho, os que jogassem, os que quisessem escapar da pobreza, arriscavam tudo. Como jogavam, podiam perder. Mas os que não jogavam não podiam perder. Não poderiam suspeitar que viria um tempo, que já aí estava – e isto, precisamente, são os tempos modernos – em que os que não jogam perdem sempre, mesmo com mais certeza do que os que jogam.”
«Nous avons connu, nous avons touché un monde, (enfants nous en avons participé), où un homme qui se bornait dans la pauvreté était au moins garanti dans la pauvreté. C'était une sorte de contrat sourd entre l'homme et le sort, et à ce contrat le sort n'avait jamais manqué avant l'inauguration des temps modernes. Il était entendu que celui qui faisait de la fantaisie, de l'arbitraire, que celui qui introduisait un jeu, que celui qui voulait s'évader de la pauvreté risquait tout. Puisqu'il introduisait le jeu, il pouvait perdre. Mais celui qui ne jouait pas ne pouvait pas perdre. Ils ne pouvaient pas soupçonner qu'un temps venait, et qu'il était déjà là, et c'est précisément le temps moderne, où celui qui ne jouerait pas perdrait tout le temps, et encore plus sûrement que celui qui joue.»

Under Creative Commons License:Attribution Non-Commercial No Derivatives)

No mesmo texto, diz Péguy:
"Pela primeira vez na história do mundo, as forças espirituais foram reprimidas todas juntas não pelos poderes materiais, mas por um único poder material que é o poder do dinheiro . E para ser justo, deve-se mesmo dizer: Pela primeira vez na história do mundo todas as forças espirituais juntas, e no mesmo movimento; e todos as outras forças materiais juntas, e no mesmo movimento, que é o mesmo, foram reprimidas por uma única força material que é o poder do dinheiro. Pela primeira vez na história do mundo todas as forças espirituais juntas, e todas as outras forças materiais juntas, e num único movimento, e no mesmo movimento, foram afastadas da face da terra. E como uma imensa linha, essas forças foram afastadas em toda a linha. E pela primeira vez na história do mundo o dinheiro manda sem limites e sem medida. Pela primeira vez na história do mundo o dinheiro é o único face a face com o espírito."
«Pour la première fois dans l’’histoire du monde, les puissances spirituelles ont été toutes ensemble refoulées non point par les puissances matérielles mais par une seule puissance matérielle qui est la puissance de l’’argent. Et pour être juste, il faut même dire : Pour la première fois dans l’’histoire du monde toutes les puissances spirituelles ensemble et du même mouvement et toutes les autres puissances matérielles ensemble et d’un même mouvement qui est le même ont été refoulées par une seule puissance matérielle qui est la puissance de l’argent. Pour la première fois dans l’’histoire du monde toutes les puissances spirituelles ensemble et toutes les autres puissances matérielles ensemble et d’’un seul mouvement et d’’un même mouvement ont reculé sur la face de la terre. Et comme une immense ligne elles ont reculé sur toute la ligne. Et pour la première fois dans l’’histoire du monde l’’argent est maître sans limitation ni mesure. Pour la première fois dans l’’histoire du monde l’’argent est seul en face de l’’esprit.»

quarta-feira, julho 15, 2015

Depois da manipulação mediática, as falácias da argumentação lógica com que tentam dar-nos a volta...

Como diz o autor da página da Net onde fui buscar esta tradução: "Leia, entenda e não as use."
E eu acrescentarei: "E aprenda a não se deixar levar por elas!"

https://yourlogicalfallacyis.com/
(Clicar na imagem para aumentar)
1. Espantalho
Você desvirtuou um argumento para torná-lo mais fácil de atacar.
Ao exagerar, desvirtuar ou simplesmente inventar um argumento de alguém, fica bem mais fácil apresentar a sua posição como razoável ou válida. Este tipo de desonestidade não apenas prejudica o discurso racional, como também prejudica a própria posição de alguém que o usa, por colocar em questão a sua credibilidade – se você está disposto a desvirtuar negativamente o argumento do seu oponente, será que você também não desvirtuaria os seus positivamente?

Exemplo: Depois de Felipe dizer que o governo deveria investir mais em saúde e educação, Jader respondeu dizendo estar surpreso que Felipe odeie tanto o Brasil, a ponto de querer deixar o nosso país completamente indefeso, sem verba militar.

2. Causa Falsa
Você supôs que uma relação real ou percebida entre duas coisas significa que uma é a causa da outra.
Uma variação dessa falácia é a "cum hoc ergo propter hoc" (com isto, logo por causa disto), na qual alguém supõe que, pelo fato de duas coisas estarem acontecendo juntas, uma é a causa da outra. Este erro consiste em ignorar a possibilidade de que possa haver uma causa em comum para ambas, ou, como mostrado no exemplo abaixo, que as duas coisas em questão não tenham absolutamente nenhuma relação de causa, e a sua aparente conexão é só uma coincidência.
Outra variação comum é a falácia "post hoc ergo propter hoc" (depois disto, logo por causa disto), na qual uma relação causal é presumida porque uma coisa acontece antes de outra coisa, logo, a segunda coisa só pode ter sido causada pela primeira.

Exemplo: Apontando para um gráfico metido a besta, Rogério mostra como as temperaturas têm aumentado nos últimos séculos, ao mesmo tempo em que o número de piratas têm caído; sendo assim, obviamente, os piratas é que ajudavam a resfriar as águas, e o aquecimento global é uma farsa.

3. Apelo à emoção
Você tentou manipular uma resposta emocional no lugar de um argumento válido ou convincente.
Apelos à emoção são relacionados a medo, inveja, ódio, pena, orgulho, entre outros.
É importante dizer que às vezes um argumento logicamente coerente pode inspirar emoção, ou ter um aspecto emocional, mas o problema e a falácia acontecem quando a emoção é usada no lugar de um argumento lógico. Ou, para tornar menos claro o fato de que não existe nenhuma relação racional e convincente para justificar a posição de alguém.
Excepto os sociopatas, todos são afectados pela emoção, por isso apelos à emoção são uma tática de argumentação muito comum e eficiente. Mas eles são falhos e desonestos, com tendência a deixar o oponente de alguém justificadamente emocional.

Exemplo: Lucas não queria comer o seu prato de cérebro de ovelha com fígado picado, mas seu pai o lembrou de todas as crianças famintas de algum país de terceiro mundo que não tinham a sorte de ter qualquer tipo de comida.

4. A falácia da falácia
Supor que uma afirmação está necessariamente errada só porque ela não foi bem construída ou porque uma falácia foi cometida.
Há poucas coisas mais frustrantes do que ver alguém argumentar de maneira fraca alguma posição. Na maioria dos casos um debate é vencido pelo melhor debatedor, e não necessariamente pela pessoa com a posição mais correta. Se formos ser honestos e racionais, temos que ter em mente que só porque alguém cometeu um erro na sua defesa do argumento, isso não necessariamente significa que o argumento em si esteja errado.

Exemplo: Percebendo que Amanda cometeu uma falácia ao defender que devemos comer alimentos saudáveis porque eles são populares, Alice resolveu ignorar a posição de Amanda por completo e comer Whopper Duplo com Queijo no Burger King todos os dias.

5. Ladeira Escorregadia
Você faz parecer que o fato de permitirmos que aconteça A fará com que aconteça Z, e por isso não podemos permitir A.
O problema com essa linha de raciocínio é que ela evita que se lide com a questão real, jogando a atenção em hipóteses extremas. Como não se apresenta nenhuma prova de que tais hipóteses extremas realmente ocorrerão, esta falácia toma a forma de um apelo à emoção do medo.

Exemplo 1: Armando afirma que, se permitirmos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, logo veremos pessoas se casando com seus pais, seus carros e seus macacos Bonobo de estimação.

Exemplo 2: a explicação feita após o terceiro subtítulo - "O voto divergente do ministro Ricardo Lewandowski e a ladeira escorregadia" - deste texto sobre aborto. Vale a leitura.

6. Ad hominem
Você ataca o carácter ou traços pessoais do seu oponente em vez de refutar o argumento dele.
Ataques ad hominem podem assumir a forma de golpes pessoais e directos contra alguém, ou mais subtilmente jogar dúvida no seu carácter ou atributos pessoais. O resultado desejado de um ataque ad hominem é prejudicar o oponente de alguém sem precisar de fato se engajar no argumento dele ou apresentar um próprio.

Exemplo: Depois de Salma apresentar de maneira eloquente e convincente uma possível reforma do sistema de cobrança do condomínio, Samuel pergunta aos presentes se eles deveriam mesmo acreditar em qualquer coisa dita por uma mulher que não é casada, já foi presa e, pra ser sincero, tem um cheiro meio estranho.

7. Tu quoque (você também)
Você evitar ter que se engajar em críticas virando as próprias críticas contra o acusador – você responde críticas com críticas.
Esta falácia, cuja tradução do latim é literalmente “você também”, é geralmente empregada como um mecanismo de defesa, por tirar a atenção do acusado ter que se defender e mudar o foco para o acusador.
A implicação é que, se o oponente de alguém também faz aquilo de que acusa o outro, ele é um hipócrita. Independente da veracidade da contra-acusação, o fato é que esta é efetivamente uma tática para evitar ter que reconhecer e responder a uma acusação contida em um argumento – ao devolver ao acusador, o acusado não precisa responder à acusação.

Exemplo 1: Nicole identificou que Ana cometeu uma falácia lógica, mas, em vez de rectificar o seu argumento, Ana acusou Nicole de ter cometido uma falácia anteriormente no debate.

Exemplo 2: O político Aníbal Zé das Couves foi acusado pelo seu oponente de ter desviado dinheiro público na construção de um hospital. Aníbal não responde a acusação directamente e devolve insinuando que seu oponente também já aprovou licitações irregulares em seu mandato.

8. Incredulidade pessoal
Você considera algo difícil de entender, ou não sabe como funciona, por isso você dá a entender que não seja verdade.
Assuntos complexos como evolução biológica através de seleção natural exigem alguma medida de entendimento sobre como elas funcionam antes que alguém possa entendê-los adequadamente; esta falácia é geralmente usada no lugar desse entendimento.

Exemplo: Henrique desenhou um peixe e um humano em um papel e, com desdém efusivo, perguntou a Ricardo se ele realmente pensava que nós somos babacas o bastante para acreditar que um peixe acabou evoluindo até a forma humana através de, sei lá, um monte de coisas aleatórias acontecendo com o passar dos tempos.

9. Alegação especial
Você altera as regras ou abre uma excepção quando sua afirmação é exposta como falsa.
Humanos são criaturas engraçadas, com uma aversão boba a estarem errados.
Em vez de aproveitar os benefícios de poder mudar de ideia graças a um novo entendimento, muitos inventarão modos de se agarrar a velhas crenças. Uma das maneiras mais comuns que as pessoas fazem isso é pós-racionalizar um motivo explicando o porque aquilo no qual elas acreditavam ser verdade deve continuar sendo verdade.
É geralmente bem fácil encontrar um motivo para acreditar em algo que nos favorece, e é necessária uma boa dose de integridade e honestidade genuína consigo mesmo para examinar nossas próprias crenças e motivações sem cair na armadilha da auto-justificação.

Exemplo: Eduardo afirma ser vidente, mas quando as suas “habilidades” foram testadas em condições científicas apropriadas, elas magicamente desapareceram. Ele explicou, então, que elas só funcionam para quem tem fé nelas.

10. Pergunta carregada
Você faz uma pergunta que tem uma afirmação embutida, de modo que ela não pode ser respondida sem uma certa admissão de culpa.
Falácias desse tipo são particularmente eficientes em descarrilar discussões racionais, graças à sua natureza inflamatória – o receptor da pergunta carregada é compelido a se justificar e pode parecer abalado ou na defensiva. Esta falácia não apenas é um apelo à emoção, mas também reformata a discussão de forma enganosa.

Exemplo: Graça e Helena estavam interessadas no mesmo homem. Um dia, enquanto ele estava sentado próximo suficiente a elas para ouvir, Graça pergunta em tom de acusação: “como anda a sua reabilitação das drogas, Helena?”

11. Ónus da prova
Você espera que outra pessoa prove que você está errado, em vez de você mesmo provar que está certo.
O ônus (obrigação) da prova está sempre com quem faz uma afirmação, nunca com quem refuta a afirmação. A impossibilidade, ou falta de intenção, de provar errada uma afirmação não a torna válida, nem dá a ela nenhuma credibilidade.
No entanto, é importante estabelecer que nunca podemos ter certeza de qualquer coisa, portanto devemos valorizar cada afirmação de acordo com as provas disponíveis. Tirar a importância de um argumento só porque ele apresenta um fato que não foi provado sem sombra de dúvidas também é um argumento falacioso.

Exemplo: Beltrano declara que uma chaleira está, nesse exacto momento, orbitando o Sol entre a Terra e Marte e que, como ninguém pode provar que ele está errado, a sua afirmação é verdadeira.

12. Ambiguidade
Você usa duplo sentido ou linguagem ambígua para apresentar a sua verdade de modo enganoso.
Políticos frequentemente são culpados de usar ambiguidade em seus discursos, para depois, se forem questionados, poderem dizer que não estavam tecnicamente mentindo. Isso é qualificado como uma falácia, pois é intrinsecamente enganoso.
Exemplo: Em um julgamento, o advogado concorda que o crime foi desumano. Logo, tenta convencer o júri de que o seu cliente não é humano por ter cometido tal crime, e não deve ser julgado como um humano normal.

13. Falácia do apostador
Você diz que “sequências” acontecem em fenómenos estatisticamente independentes, como rolagem de dados ou números que caem em uma roleta.
Esta falácia de aceitação comum é provavelmente o motivo da criação da grande e luminosa cidade no meio de um deserto americano chamada Las Vegas.
Apesar da probabilidade geral de uma grande sequência do resultado desejado ser realmente baixa, cada lance do dado é, em si mesmo, inteiramente independente do anterior. Apesar de haver uma chance baixíssima de um cara-ou-coroa dar cara 20 vezes seguidas, a chance de dar cara em cada uma das vezes é e sempre será de 50%, independente de todos os lances anteriores ou futuros.

Exemplo: Uma roleta deu número vermelho seis vezes em sequência, então Gregório teve quase certeza que o próximo número seria preto. Sofrendo uma forma econômica de seleção natural, ele logo foi separado de suas economias.

14. Ad populum
Você apela para a popularidade de um fato, no sentido de que muitas pessoas fazem/concordam com aquilo, como uma tentativa de validação dele.
A falha nesse argumento é que a popularidade de uma ideia não tem absolutamente nenhuma relação com a sua validade. Se houvesse, a Terra teria se feito plana por muitos séculos, pelo simples fato de que todos acreditavam que ela era assim.

Exemplo: Luciano, bêbado, apontou um dedo para Jão e perguntou como é que tantas pessoas acreditam em duendes se eles são só uma superstição antiga e boba. Jão, por sua vez, já havia tomado mais Guinness do que deveria e afirmou que já que tantas pessoas acreditam, a probabilidade de duendes de fato existirem é grande.

15. Apelo à autoridade
Você usa a sua posição como figura ou instituição de autoridade no lugar de um argumento válido. (A popular "carteirada".)
É importante mencionar que, no que diz respeito a esta falácia, as autoridades de cada campo podem muito bem ter argumentos válidos, e que não se deve desconsiderar a experiência e expertise do outro.
Para formar um argumento, no entanto, deve-se defender seus próprios méritos, ou seja, deve-se saber por que a pessoa em posição de autoridade tem aquela posição. No entanto, é claro, é perfeitamente possível que a opinião de uma pessoa ou instituição de autoridade esteja errada; assim sendo, a autoridade de que tal pessoa ou instituição goza não tem nenhuma relação intrínseca com a veracidade e validade das suas colocações.

Exemplo 1: Impossibilitado de defender a sua posição de que a teoria evolutiva "não é real", Roberto diz que ele conhece pessoalmente um cientista que também questiona a Evolução e cita uma de suas famosas falas.

Exemplo 2: Um professor de matemática se vê questionado de maneira insistente por um aluno especialmente chato. Lá pelas tantas, irritado após cometer um deslize em sua fala, o professor argumenta que tem mestrado pós-doutorado e isso é mais do que suficiente para o aluno confiar nele.

16. Composição/Divisão
Você implica que uma parte de algo deve ser aplicada a todas, ou outras, partes daquilo.
Muitas vezes, quando algo é verdadeiro em parte, isso também se aplica ao todo, mas é crucial saber se existe evidência de que este é mesmo o caso.
Já que observamos consistência nas coisas, o nosso pensamento pode se tornar enviesado de modo que presumimos consistência e padrões onde eles não existem.

Exemplo: Daniel era uma criança precoce com uma predilecção por pensamento lógico. Ele sabia que átomos são invisíveis, então logo concluiu que ele, por ser feito de átomos, também era invisível. Nunca foi vitorioso em uma partida de esconde-esconde.

17. Nenhum escocês de verdade...

Você faz o que pode ser chamado de apelo à pureza como forma de rejeitar críticas relevantes ou falhas no seu argumento.
Nesta forma de argumentação falha, a crença de alguém é tornada infalsificável porque, independente de quão convincente seja a evidência apresentada, a pessoa simplesmente move a situação de modo que a evidência supostamente não se aplique a um suposto "verdadeiro" exemplo. Esse tipo de pós-racionalização é um modo de evitar críticas válidas ao argumento de alguém.

Exemplo: Angus declara que escoceses não colocam açúcar no mingau, ao que Lachlan aponta que ele é um escocês e põe açúcar no mingau. Furioso, como um "escocês de verdade", Angus berra que nenhum escocês de verdade põe açúcar no seu mingau.


18. Genética
Você julga algo como bom ou ruim tendo por base a sua origem.
Esta falácia evita o argumento ao levar o foco às origens de algo ou alguém. É similar à falácia ad hominem no sentido de que ela usa percepções negativas já existentes para fazer com que o argumento de alguém pareça ruim, sem de fato dissecar a falta de mérito do argumento em si.

Exemplo: Acusado no Jornal Nacional de corrupção e aceitação de propina, o senador disse que devemos ter muito cuidado com o que ouvimos na mídia, já que todos sabemos como ela pode não ser confiável.

19. Preto-ou-branco
Você apresenta dois estados alternativos como sendo as únicas possibilidades, quando de fato existem outras.
Também conhecida como falso dilema, esta tática aparenta estar formando um argumento lógico, mas sob análise mais cuidadosa fica evidente que há mais possibilidades além das duas apresentadas.
O pensamento binário da falácia preto-ou-branco não leva em conta as múltiplas variáveis, condições e contextos em que existiriam mais do que as duas possibilidades apresentadas. Ele molda o argumento de forma enganosa e obscurece o debate racional e honesto.

Exemplo: Ao discursar sobre o seu plano para fundamentalmente prejudicar os direitos do cidadão, o Líder Supremo falou ao povo que ou eles estão do lado dos direitos do cidadão ou contra os direitos.

20. Tornando a questão supostamente óbvia
Você apresenta um argumento circular no qual a conclusão foi incluída na premissa.
Este argumento logicamente incoerente geralmente surge em situações onde as pessoas têm crenças bastante enraizadas, e por isso consideradas verdades absolutas em suas mentes. Racionalizações circulares são ruins principalmente porque não são muito boas.

Exemplo 1: A Palavra do Grande Zorbo é perfeita e infalível. Nós sabemos disso porque diz aqui no Grande e Infalível Livro das Melhores e Mais Infalíveis Coisas do Zorbo Que São Definitivamente Verdadeiras e Não Devem Nunca Serem Questionadas.

Exemplo 2: O plano estratégico de marketing é o melhor possível, foi assinado pelo Diretor Bam-bam-bam.

21. Apelo à natureza
Você argumenta que só porque algo é "natural", aquilo é válido, justificado, inevitável ou ideal.
Só porque algo é natural, não significa que é bom. Assassinato, por exemplo, é bem natural, e mesmo assim a maioria de nós concorda que não é lá uma coisa muito legal de você sair fazendo por aí. A sua "naturalidade" não constitui nenhum tipo de justificativa.

Exemplo: O curandeiro chegou ao vilarejo com a sua carroça cheia de remédios completamente naturais, incluindo garrafas de água pura muito especial. Ele disse que é natural as pessoas terem cuidado e desconfiarem de remédios "artificiais", como antibióticos.

22. Anedótica
Você usa uma experiência pessoal ou um exemplo isolado em vez de um argumento sólido ou prova convincente.
Geralmente é bem mais fácil para as pessoas simplesmente acreditarem no testemunho de alguém do que entender dados complexos e variações dentro de um continuum.
Medidas quantitativas científicas são quase sempre mais precisas do que percepções e experiências pessoais, mas a nossa inclinação é acreditar naquilo que nos é tangível, e/ou na palavra de alguém em quem confiamos, em vez de em uma realidade estatística mais "abstracta".

Exemplo: José disse que o seu avô fumava, tipo, 30 cigarros por dia e viveu até os 97 anos -- então não acredite nessas meta análises que você lê sobre estudos metodicamente correctos provando relações causais entre cigarros e expectativa de vida.

23. O atirador do Texas
Você escolhe muito bem um padrão ou grupo específico de dados que sirva para provar o seu argumento sem ser representativo do todo.
Esta falácia de "falsa causa" ganha seu nome partindo do exemplo de um atirador disparando aleatoriamente contra a parede de um galpão, e, na sequência, pintando um alvo ao redor da área com o maior número de buracos, fazendo parecer que ele tem óptima pontaria.
Grupos específicos de dados como esse aparecem naturalmente, e de maneira imprevisível, mas não necessariamente indicam que há uma relação causal.

Exemplo: Os fabricantes do bebida gaseificada Cocaçúcar apontam pesquisas que mostram que, dos cinco países onde a Cocaçúcar é mais vendida, três estão na lista dos dez países mais saudáveis do mundo, logo, Cocaçúcar é saudável.

24. Meio-termo
Você declara que uma posição central entre duas extremas deve ser a verdadeira.
Em muitos casos, a verdade realmente se encontra entre dois pontos extremos, mas isso pode enviesar nosso pensamento: às vezes uma coisa simplesmente não é verdadeira, e um meio termo dela também não é verdadeiro. O meio do caminho entre uma verdade e uma mentira continua sendo uma mentira.

Exemplo: Mariana disse que a vacinação causou autismo em algumas crianças, mas o seu estudado amigo Calebe disse que essa afirmação já foi derrubada como falsa, com provas. Uma amiga em comum, a Alice, ofereceu um meio-termo: talvez as vacinas causem um pouco de autismo, mas não muito.

terça-feira, julho 14, 2015

AS 10 ESTRATÉGIAS DE MANIPULAÇÃO MEDIÁTICA, SEGUNDO N. CHOMSKY

AS 10 ESTRATÉGIAS DE MANIPULAÇÃO MEDIÁTICA, SEGUNDO N. CHOMSKY

1. A estratégia da distracção. O elemento primordial do controle social é a estratégia da distracção,
que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distracções e de informações insignificantes. A estratégia da distracção é igualmente indispensável para impedir que o público se interesse pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, presa a temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado; sem nenhum tempo para pensar; de volta à quinta com outros animais (citação do texto “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).
.
2. Criar problemas e depois oferecer soluções. Esse método também é denominado “problema-reacção-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reacção no público a fim de que este seja o mandante das medidas que desejam que sejam aceites. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja quem pede leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise económica para forçar a aceitação, como um mal menor, do retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços púbicos.

3. A estratégia da gradualidade. Para fazer com que uma medida inaceitável passe a ser aceita basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira, condições sócio-económicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990. Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4. A estratégia do diferimento. Outra maneira de forçar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e desnecessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacríficio imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregue imediatamente. Logo, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5. Dirigir-se ao público como se fossem menores de idade. A maior parte da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entoação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade mental, como se o espectador fosse uma pessoa menor de idade ou portador de distúrbios mentais. Quanto mais tentem enganar o espectador, mais tendem a adoptar um tom infantilizante. Por quê? “Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, em razão de factores de sugestão, então, provavelmente, ela terá uma resposta ou reacção também desprovida de um sentido crítico (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)”.

6. Utilizar o aspecto emocional mais do que a reflexão. Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional e, finalmente, ao sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registo emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos…

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade. Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais menos favorecidas deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que planeia entre as classes menos favorecidas e as classes mais favorecidas seja e permaneça impossível de alcançar (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”).

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade. Levar o público a crer que é moda o facto de ser estúpido, vulgar e inculto.

9. Reforçar a autoculpabilidade. Fazer as pessoas acreditarem que são culpadas por sua própria desgraça, devido à pouca inteligência, por falta de capacidade ou de esforços. Assim, em vez de revoltar-se contra o sistema económico, o indivíduo se auto-desvaloriza e se culpabiliza, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de agir. E sem acção, não há revolução!

10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem. No transcurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência gerou uma brecha crescente entre os conhecimentos do público e os possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento e avançado do ser humano, tanto no aspecto físico quanto no psicológico. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que ele a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior do que o dos indivíduos sobre si mesmos.

A lista em português está aqui.

quarta-feira, julho 08, 2015

Cântico Negro - tão pouco que eu sei de José Régio...

Estou a ler um livro que juntou cartas que José Régio escreveu ao pai e à mãe.
José Régio ao meio, ladeado por João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca
Ai!, que bom esse tempo em que mais se escrevia que dizia, sem telefones, telemóveis, "ésse-éme-ésses" e "imeiles". Bom para nós, egocêntricos, que, quando temos curiosidade em alguém, queremos saber tudo o que for possível sobre a pessoa em questão.
As cartas que li até agora são cartas de evidente mansidão afectiva; e são sobriamente afectuosas.
Se mais nada soubermos do seu autor, as cartas que li (parecem faltar tantas de permeio!...) não fazem adivinhar a turbulência emocional e intelectual do autor do intenso Cântico Negro.
E salta-me lesta ao pensamento a pergunta: saberão os meus alunos que o Cântico Negro é escrito de juventude de José Régio?...
Ele tem 23 ou 24 anos quando é publicada a primeira edição de "Poemas de Deus e do Diabo", obra que contém o Cântico Negro. A generalidade das fontes diz que o livro apareceu em 1925, mas numa carta que escreve, em Coimbra, ao pai, no dia 4 de Fevereiro de 1926, José Maria diz: "«É-me impossível, no entanto, ir no dia 8, por causa do meu livro. A zincogravura do desenho demora mais do que se esperava, mesmo a composição das últimas páginas atrasou um pouco, e além disso não posso ir sem ter definitivamente resolvido o problema da sua exposição e venda.» (1) Será que é a carta que está mal datada?... (2)
Ora, se o livro é publicado contando José Maria essa idade, com que idade terá ele sido escrito?... Ainda com menos de 24 ou 23 anos!
Um dos aspectos fascinantes deste poema de juventude é a quantidade de gente da cultura, das artes e dos 'media' que querem mostrar-se publicamente na leitura do poema! Especialmente fascinantes, sobretudo porque não são jovens!... Que poder o poema tem!
Eis alguns, a que agora temos tão fácil acesso na Internet:

  1. Talvez o mais célebre - João Villaret
  2. Maria Bethânia
  3. Paulo Gracindo
  4. Marco d' Almeida
  5. José Régio, ele mesmo.
Gostava tanto que os meus alunos conhecessem o poema; e até que o soubessem recitar de cor! A força do poema faz bem a todos nós! E, mais do que nunca, os jovens têm olhos doces estendendo-lhes os braços seguros de que os jovens os ouvirão dizer "vem por aqui!" É verdade, o poema tem quase cem anos... Mas continuamos a reconhecer-nos na modernidade da sua linguagem, das suas imagens e das suas interrogações.
Aqui está o poema, tal como a gente ouve José Régio a lê-lo:
Cântico Negro
“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis machados [impulso], ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
– Sei que não vou por aí!

(1) José Régio (2010). Correspondência Familiar, Cartas a Seus Pais, introdução e notas de António Ventura, Caleidoscópio, p. 101.
(2) Albano Martins, num trabalho publicado no Colóquio | Letras, da F.C.G., edição n.º 113/114 (Jan. 1990), p. 159, diz que a primeira apreciação crítica que conhece é de Fevereiro de 1926, de A Bibliográfica, de Póvoa de Varzim. Ou o livro é mesmo de 1925, ou A Bibliográfica de Fevereiro terá saído... depois de Fevereiro. A esclarecer.

terça-feira, junho 23, 2015

A Crise de Fernando Pessoa exactamente há 100 anos atrás

Pois é, exactamente há 100 anos atrás Fernando Pessoa estava à rasquinha de dinheiro, coitado!...
No dia 23 de Junho de 1915, ele escreveu a seguinte carta a Armando Côrtes-Rodrigues (1):

Lisboa, 23 de Junho de 1915.
               Meu caro Côrtes-Rodrigues:
É uma circunstância violenta e aflitiva. V. pode emprestar-me cinco mil réis até ao dia 1
Armando Côrtes-Rodrigues
do mês que vem (1 de Julho)? É aflitivíssimo
[sim, é isso mesmo: aflitivíssimo] o caso, creia. E o pagamento é pronto e certo no referido dia 1, se não for antes, o que pode acontecer, mas não prometo.
Se v. me pudesse fazer isto! Valia-me numa conjuntura em que não tenho ninguém para quem me vire. Era questão de uns dias; nem eu — desde o que v. já me explicou sobre a sua situação — lhe faria partida alguma, ou seria capaz de lhe dizer que lhe pagava em determinado dia, se me fosse impossível fazê-lo. Se v. puder, não deixe de me fazer isto!
Não estarei no escritório amanhã senão tarde. Mas, vindo v. cá e deixando-me em envelope a quantia, ser-me-á entregue fielmente quando eu chegue.
Não me julgue indelicado por lhe pedir, ainda por cima, que venha aqui ao escritório e, mais, dizendo-lhe que talvez eu não esteja. É que tenho coisas inadiáveis de que tratar e não poderia marcar horas e lugar mais conveniente onde encontrá-lo. Desculpe.
Veja se me pode fazer isto, sim? É só por estes 5 ou 6 dias. Decerto que poderá ser.
Seu mt.º am.º e grato
               F. Pessôa
Há registo que no dia 26 ele voltou a escrever ao amigo. Assim:
Noite de 26-6-1915.
               Irmão em pseudo:
Saberás que hoje, pelas 6 horas da tarde, inesperadamente, tudo se resolveu.
Eu nada já esperava, como sabias, e eis que de repente uma porta se abriu nas ocorrências, mesmo defronte do meu Desejo.
Um astro benéfico talvez transitando um ponto vital do horóscopo? Verei se assim foi. Saúdo-te.
                Fernando Pessôa
Segundo a nossa fonte, esta segunda carta alude «certamente, à resolução do problema de dinheiro que motivara a carta de 23 do mesmo mês.»
A fonte é o volume "Correspondência, 1905-1922", edição de Manuela Parreira da Silva, da Asírio & Alvim, 1999, p. 165-6.

Pronto, a crise financeira de Fernando Pessoa, ao contrário da nossa, foi de pouca dura; só que ele teve muitas crises assim...

(1) Noutra carta, de 24 de Fevereiro de 1913, a Álvaro Pinto,  Pessoa chama a atenção ao seu correspondente, que é Côrtes, não é Cortês.

quarta-feira, junho 10, 2015

Ora bolas!, a gente a pensar que isto era mesmo sobre os portugueses!...

Ora  bolas!,
a gente a pensar que isto era mesmo dos portugueses!...

Na última edição de "Os prós e contras", da RTP1, no dia 7 de Junho, o tema foi A FELICIDADE.
As Nações Unidas, por votação unânime (claro, fica bem a todos, pois então!, o pior é quando têm que decidir sobre as coisas sérias, concretas, materiais que efectivamente fazem a felicidade; nestes casos, a bondade dos países é bem outra coisa...), dizia eu, por votação dos 193 países membros, estabeleceram, em 2012, o dia 20 de Março, como o Dia Internacional da Felicidade (1).
Quanto lhe foi dada a palavra, o humorista Herman José mostrou que as pequenas anedotas, tal como as imagens, também valem mais que mil palavras.
Lembrou-se ele de uma anedota "que a minha querida Amália Rodrigues, que eu amava, contava". Diz ele que a anedota espelhava o espírito português na perfeição.
A anedota fala de uma senhora que ia no comboio e sentia muita sede. Lamentava-se repetidamente "Ai que sede que eu tenho!... Ai que sede que eu tenho!..." Até que um senhor, que viajava também naquela carruagem, lhe deu água a beber. Depois de beber a muito oportuna dádiva do senhor, a senhora passou a repetir, com o mesmo tom lamuriento, "Ai que sede que eu tinha!... Ai que sede que eu tinha!..."
Acontece que eu lembrava-me vagamente de qualquer coisa que conhecia. Como preguiçava àquela hora, em vez de me levantar do sofá, pequei no computador que tinha ali ao pé e pesquisei no Google. Pois, estava correcta a minha vaga lembrança. É que lá encontrei esta história, que faz parte, como tantas outras, de conjuntos de textos, parábolas, tão caras ao Oriente, para educar as pessoas com as lições dos velhos Sábios, Mestres e Anciãos.
O VIAJANTE SENDENTO 
[adaptado; no fundo o velho ditado que diz que quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto]
Lentamente, o sol tinha-se ocultado e a noite tinha caído por completo. Pela imensa planície da Índia deslizava um comboio, como uma descomunal serpente queixosa. Vários homens compartilhavam um vagão e, como faltavam muitas horas para chegar ao destino, decidiram apagar a luz e porem-se a dormir. O comboio prosseguia a sua marcha. Passaram alguns minutos e os viajantes começaram a conciliar o sono. Levavam já um bom número de horas de viagem e estavam muito cansados. A certa altura, começaram a escutar uma voz que dizia:
- Ai que sede que eu tenho! Ai que sede que eu tenho!
Assim, uma e outra vez, insistente e monotonamente. Era um dos viajantes que não cessava de queixar-se da sua sede, impedindo de dormir ao resto de seus companheiros. Já resultava tão molesta e repetitiva a sua queixa, que um dos viajantes se levantou, saiu, foi ao lavabo, e trouxe-lhe um copo de água. O homem sedento bebeu com avidez a água. Outra vez apagaram a luz. Os viajantes, reconfortados, dispuseram-se a dormir. Transcorreram mais uns minutos. No silêncio que se instalou, surpreendentemente, insinuou-se a mesma voz de antes, que começou a dizer:
- Ai, que sede que eu tinha, mas que sede que eu tinha!
O Grande Mestre disse: A mente sempre tem problemas. Quando não tem problemas reais, fabrica problemas imaginários e fictícios, tendo inclusivé que buscar soluções imaginárias e fictícias.
Ora bem, há outras versões por aí espalhadas; das que entretanto pesquisei entretanto, constante, só mesmo os queixumes em volta dos quais o conto, a anedota ou lição se tece.
Fará parte dos estereótipos culturais do nosso País, da maneira de ser dos Portugueses, que faça mais sentido que os queixumes sejam feitos por uma mulher do que por um homem. Seja, mas isto também nos alerta para o facto poderoso da miscigenação das culturas, que levou a que as Nações Unidas, a partir de certa altura, por pressão das realidades políticas e sociais mundiais, também passassem a tomar como uma das suas grandes bandeiras o lema "Todos diferentes, todos iguais."

(1) A ONU até criou uma lista "oficial" de temas musicais para mostrar como soa a felicidade. Obrigado! Fica-lhes bem darem-nos música. São mais agradáveis de ouvir do que os lamentos das mães sem condições para criarem os seus filhos; os choros das crianças que têm fome; os gritos dos cidadãos que tentam fugir aos tiros e às bombas que caem sobre as suas povoações; os gemidos dos velhos indefesos, deixados à impotência de não poderem já fazerem nada para se protegerem e protegerem os seus.

terça-feira, junho 09, 2015

Falar nem sempre é dizer palavras.

Falar nem sempre é dizer palavras.

Isso sim, muitas vezes, falar é sentir as palavras que nos percorrem a mente ao ver, ao ouvir - no fundo, tomar consciência do que nos desperta os sentidos no instante que estamos a viver; assim simplesmente, ao lado de quem connosco está e nos deixa assim estar,  nos dá espaço relacional para fazer tão simplesmente isso: sentir os sentidos, tomara consciência deles e procurar as palavras que tornem comunicáveis os nossos sentimentos e os nossos pensamentos ao Outro, ao nosso interlocutor.
Tenho a crença de que, se calhar, é isso que eu sei fazer de melhor na minha prática clínica; e nas aulas tanto insisto com os alunos para que parem e pensem!
Seguramente o precioso relato de Alice Vieira explica muito melhor que eu quero dizer com todo o palavreado que acabei de produzir. A escritora tinha acabado de citar João dos Santos que dizia que "falar é deixar que os silêncios falem". (1)
«Mas onde está o silêncio de hoje?
Há dias sentei-me com a Isabel [a neta mais pequena] a uma mesa do El Corte Inglês. Eu estava a acabar um texto que tinha de mandar para o jornal e, como normalmente fazia com os irmãos dela quando eram pequeninos, levava a mala cheia de lápis de cor, e marcadores, e caderninhos, e um puzzle miniatura, e bonequinhos dos Estrunfes, herdados de outra geração, tudo para eles se distraírem numa emergência. Coloquei tudo em cima da mesa mas a Isabel, recostada na cadeira, não parecia muito decidida a pegar fosse no que fosse.
 - Queres fazer um desenho? - A Isabel abanava a cabeça.
- Queres brincar com os Estrunfes? - A Isabel abanava a cabeça.
- Então o que é que queres fazer, enquanto a avó está aqui a trabalhar?
Deu um suspiro muito fundo, daqueles em que ela é perita quando quer dizer, mas não diz... - "coitada, não percebe mesmo de nada..." - e murmurou, na sua voz sempre calma:
- Quero olhar para as pessoas.
E lá ficou, a olhar para as pessoas.» 
(1) Repito-o muitas vezes que, um dia, na última sessão de psicoterapia muito bem sucedida a um rapazinho encoprético, que no rosto dava sinais claros do advento da puberdade, ele, na expressão da sua gratidão me quis dizer porque ele e outros colegas seus tanto gostavam de estar ali comigo: é que eu não os enchia de perguntas e deixava-os estarem ali pensar.  


segunda-feira, junho 01, 2015

Em jeito de pequenina aula aos meus alunos - Sobre pintos, galinhas, árvores, florestas e medos

AFINAL, UMA ANDORINHA FAZ MESMO, SOZINHA, A PRIMAVERA.

Ou, uma árvore basta mesmo para fazer a floresta.
Na cabeça de um jornalista muito pouco responsável, e que é pai com olhos de mãe-coruja. É o que concluo assim depois de ler esta pequena notícia. Dela retiro este pequeno excerto:
Tim Lott, cronistas do The Guardian, lançou o alerta: as crianças de hoje já não têm medo do escuro. Temem o fracasso. E esta conclusão surgiu depois de ter perguntado a uma das suas filhas qual o seu maior receio, e sem hesitação surgiu a resposta: “falhar”.
Reagi imediatamente com alguma irritação, mas como tenho andado a dizer aos meus alunos para se esforçarem e formarem opiniões com base em percepções bem informadas, fui ler o texto original.
 Pois, afinal Tim Lott não disse o que as "Notícias ao Minuto" afirmam, naturalmente em resultado de uma leitura apressada do jornalista que construiu a pequena notícia.
Até porque Tim Lott põe o dedo na ferida:
Children’s fears are a litmus test of the society we live in and they are clearly changing – becoming more concrete – as society becomes more performance-driven, insecure and saturated with threatening, upsetting facts. (1)
Cá está, as crianças apenas - no fundo, desde que os grupos animais (incluindo os humanos) existem e os seus elementos regulam os seus comportamentos através da imitação dos mais velhos pelos mais novos - reagem em razão das ocorrências sociais, das exigências pessoais que são determinadas pelos valores e os objectivos dominantes ( e que nas sociedades modernas reflectem a ditadura do Mercado, do Dinheiro e do Consumo Material); e reagem também em razão da (des)educação que cada vez mais os governos impõem à organização escolar dos seus países.
No seu texto - lúcido e sábio - Tim Lott diz mais, citando outros autores:
“To conquer fear is the beginning of wisdom,” said Bertrand Russell, (...)  I agree wholeheartedly with Aung San Suu Kyi – “The only real prison is fear and the only real freedom is freedom from fear.” (2)
E remata a sua reflexão dizendo:
Courage is not being free from fear, however. Courage is not allowing fear to distort your purposes and cramp your life. We all have secret fears and to deny it is to deny some essential element of our personalities. But if you can do one thing for your children, show them bravery, so that they learn bravery themselves. For courage is the wellspring from which an authentic life flows. (3)
CONCLUSÃO: Há jornalistas e jornalistas: uns escrevem bem, e outros distorcem perigosamente o que os outros, escrevem. Diz a sabedoria popular que "Galinhas apressadas têm pintos carecas".
Queridos alunos, como tantas vezes vos tenho dito, desconfiem até do mais "pinto-ado" dos psicólogos! E nunca deixem de informar bem as vossas opiniões!
Beijos e abraços para todos!

(1)  Os medos das crianças são uma prova de fogo da sociedade em que vivemos, e estão mudando claramente - tornando-se mais concretos - à medida que a sociedade se torna orientada para o sucesso, insegura e saturada de ameaças e  factos perturbadores.
(2) "Vencer o medo é o primeiro passo para a sabedoria" dizia Bertrand Russel [Como eu muito agradavelmente me lembro do lema que durante muitos anos orientou o sentido das actividas da associação juvenil "Os Traquinas da Boa Vida": Vencer o Medo com o Prazer da Cultura.], (...) Concordo, do fundo do coração, com Aung San Suu Kyi - "A única verdadeira prisão é o medo e a única verdadeira liberdade é a libertação do medo".
(3) Coragem não é ser livre de sentir medo, no entanto. Coragem não é permitir que o medo distorça os nossos objectivos e nos ponha obstáculos na vida. Nós todos temos medos secretos e negá-lo é negar um elemento essencial de nossas personalidades. Mas se você pode fazer uma coisa pelos os seus filhos, mostre-lhes coragem, para que eles aprendam a bravura a partir de dentro deles mesmos. É que a coragem é a fonte a partir da qual uma autêntica vida flui.

domingo, abril 12, 2015

Será a miscigenação um notável e genuíno traço do modo de ser do português?

Tenho uma automática reacção alérgica quando se toca o assunto da atribuição de características ou traços de personalidade do "português", do francês", do "alemão", do "japonês", e tantos outros... quer dizer, todos os grupos humanos designados especificamente.
Acontece que - como tantas vezes já se passou!... - dois acontecimentos se produziram bem pertinho um do outro nas coisas que me ocuparam neste fim-de-semana; e deixaram-me a pensar...
É recorrente eu falar aos alunos na facilidade com que os portugueses se misturam com os Povos, com as Gentes, com que se cruzam - aconteceu assim, ao longo da nossa História, com os Mouros (os africanos do norte), com os Negros (os africanos do sul), com os Asiáticos e com os Índios do Brasil; e mais recentemente com as sociedades que têm acolhido os nossos emigrantes. (E, por agora, vou passar ao lado do papel dos homens, por ventura muito mais evidente que o das mulheres).
Por isso, quando ontem, de manhã, na Igreja da Graça dei de caras com os santos negros, quis logo saber se aquelas estátuas, com aquelas feições dúbias (europeus?... africanos?... seriam negros só por causa da cor da madeira?...) eram mesmo o que eu estava a pensar, ou melhor, o que eu queria que fosse mesmo; e eram: as estátuas representavam mesmo pessoas de pele negra.
Ao que pude perceber, foi no Algarve que aos pouco surgiu um culto, uma devoção aos santos negros, certamente explicada pela proximidade geográfica e histórica ao continente africano. E não é por acaso que na Igreja da Graça os santos estão à volta da imagem de Nossa Senhora do Rosário; na verdade, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário permitia (terá sido durante muito tempo a única a fazê-lo) que os irmãos fossem pretos. A Irmandade juntava dinheiro para "desalforrear" os escravos e dava-lhes o trato humano que a todos os homens livres era reconhecido. Lindo!... Repare-se, não apenas lhes conseguem a carta de alforria como logo os valorizam, alcandorando-os a santos!
http://www.whitewolfpack.com/2015/04/10-native-american-quotes-about-mother.html
Ora, a segunda imagem do dia, com que me deparei pouco depois, foi a desta fotografia animada, que é um documento extraordinário! Pois é... estes, os europeus que colonizaram a América do Norte
praticamente aniquilaram as suas culturas, com chacinas, autênticos genocídios. Ainda hoje nem o infeliz Prémio Nobel da Paz, Barack Obama, reconhece e assume o trágico destino a que os "pavões" da Liberdade condenaram os Povos indígenas da terra que os colonos europeus indignamente reclamaram como sua.
Sim, gostei muito do que vi na Igreja da Graça; e pus-me a imaginar, com tristeza, o que terá o jovem nativo americano, que aparece aqui a dançar, enfrentado ao longo da vida, e como se terá decepcionado, protestado e rebelado...

domingo, abril 05, 2015

AS PALAVRAS E OS ACTOS DA FÉ; E A COERÊNCIA

AS PALAVRAS E OS ACTOS DA FÉ; E A COERÊNCIA


Cuidado com o que pedimos!... Cuidado com o que louvamos!
Deus não joga aos dados, pois não; e Deus também não dorme. Não dorme e pergunta-se se temos ou não ideia de onde nos levam as palavras e os actos, mesmo que genuinamente estejam ao serviço do Bem.
Uma muito interessante proposta de reflexão do Patrono da minha escola, Eça de Queirós, precisamente a propósito da Páscoa celebrada por um papa que agora quer honrar o nome, o pensamento, as palavras e as obras de Francisco de Assis.

"− O Senhor que tanto sofreu, por que me não manda a mim o padecimento bendito?"
Enfim, uma tarde, em véspera de Páscoa, estando a descansar nos degraus de Santa Maria dos Anjos,
avistou de repente, no ar liso e branco, uma vasta mão luminosa que sobre ele se abria e faiscava. Pensativo, murmurou:
− Eis a mão de Deus, a sua mão direita, que se estende para me acolher ou para me repelir.Deu logo a um pobre, que ali rezava a Ave-Maria, com a sua sacola nos joelhos, tudo o que no mundo lhe restava, que era um volume do Evangelho, muito usado e manchado das suas lágrimas. No domingo, na igreja, ao levantar da Hóstia, desmaiou. Sentindo então que ia terminar a sua jornada terrestre, quis que o levassem para um curral, o deitassem sobre uma camada de cinzas.
Em santa obediência ao guardião do convento, consentiu que o limpassem dos seus trapos, lhe
vestissem um hábito novo: mas, com os olhos alagados de ternura, implorou que o enterrassem num sepulcro emprestado como fora o de Jesus, seu senhor.
E, suspirando, só se queixava de não sofrer:
− O Senhor que tanto sofreu, por que me não manda a mim o padecimento bendito?De madrugada pediu que abrissem, bem largo, o portão do curral.
Contemplou o céu que clareava, escutou as andorinhas que, na frescura e silêncio, começavam a cantar sobre o beiral do telhado, e, sorrindo, recordou uma manhã, assim de silêncio e frescura, em que, andando com Francisco de Assis à beira do lago de Perusa, o mestre incomparável se detivera ante uma árvore cheia de pássaros e, fraternalmente, lhes recomendara que louvassem sempre o Senhor! “Meus irmãos, meus irmãos passarinhos, cantai bem o vosso Criador, que vos deu essa árvore para que nela habiteis, e toda esta limpa água para nela beber, e essas penas bem quentes para vos agasalharem, a vós e aos vossos filhinhos!” Depois, beijando humildemente a manga do monge que o amparava, Frei Genebro morreu.
[...]  Subitamente, porém, no alto, o prato negro oscilou como a um peso inesperado que sobre ele caísse! [...] Na alma de Frei Genebro correu um arrepio imenso de terror. O negro prato descia, firme, inexorável, com as cordas retesas. E na região que se cavava sob os pés do Anjo, cinzenta, de inconsolável tristeza, uma massa de sombra, molemente e sem rumor, arfou, cresceu, rolou, como a onda duma maré devoradora.
O prato, mais triste que a noite, parara - parara em pavoroso equilíbrio com o prato que rebrilhava. E os Serafins, Genegro, o Anjo que o trouxera, descobriram, no fundo daquele prato que inutilizava um Santo, um porco, um pobre porquinho com uma perna barbaramente cortada, arquejando, a morrer, numa poça de sangue... O animal mutilado pesava tanto na balança da justiça como a montanha luminosa de virtudes perfeitas! 
Frei Genebro morreu mas não foi para o Céu; o Senhor mandou-lhe ainda o padecimento bendito que ele, em queixa pressurosa, tanto pediu.
Está aqui o texto integral, com o título Frei Genebro.

domingo, março 01, 2015

MORREU AMADEU FERREIRA.

MORREU AMADEU FERREIRA.
Acabo de receber esta tão triste notícia!...
Tive ainda o privilégio de o conhecer; e de lhe levar um pouco de alegria, quando ele soube o que, tropegamente, comecei a procurar fazer pela Língua e pela Cultura que ele tanto amava: o Mirandês.
A partir de agora só tenho de me esforçar em dobro no que decidi fazer; mesmo que tropece também em dobro! Conte comigo, Mestre Amadeu!
Aos seus filhos, a todos os familiares; e a todos os amigos, os seus e os meus, a quem a Língua Mirandesa me juntou, o meu mais fraterno abraço!
(a fotografia é de Carlos Ferreira, irmão de Amadeu Ferreira)

APENAS GRATIDÃO: MOTE PARA UMA ELEGIA
[...] foi desta gente que nascemos, solidária ainda que abandonada, culta ainda que analfabeta, forte mesmo velha e cansada, de uma dignidade que supera as montanhas com que sempre lutou; saudades? defesa do passado? são, que desde sempre a minha mãe me disse «tu nun quergas esta bida»: apenas gratidão me ocupa." (Norteando, 224-225)
A aguarela é de Manuol Bandarra, irmão de Amadeu Ferreira.

- Perdoa-lhe, pai, ele não sabe o que diz.

Assim que entrei na carruagem, no Metro do Saldanha, dei logo de olhos com ele: sportinguista da cabeça aos, a impecável camisola oficial e o cachecol que saúda e celebra os golos.
Encostei-me nas costas do banco do costume, ali aconchegado ao cantinho da porta que não abre, oposta à que usei para entrar. Peguei no livro, fresquinho, compradinho de manhã, de tema candente e leitura apetitosa.
Tocou um telemóvel, e como o som habitual do meu está alterado, reagi ao toque, dando-lhe atenção. Não, não era o meu; era o do jovem sportinguista; e era para falar do jogo entre o Sporting e o Porto, mais logo. Pelos curiosos e complexos caminhos da atenção difusa reconheço claramente a espantosa afirmação: "Se perdermos com o Porto, o resultado já não é mau..." Ainda tentava eu confirmar que tinha sido isso mesmo que tinha ouvido, já o mesmo rapaz desabafava: "Ao menos não tenho que aturar depois aqueles filhos da p*ta, se não forem campeões!..."
Pasmei!... Pasmei mesmo! Como é possível que o entusiasmo clubista seja feito destas "convicções"?...
- Perdoa-lhe, pai, ele não sabe o que diz.
O meu pai foi sempre um entusiástico adepto sportinguista; daqueles que se irritava, nas disputas directas, com as vitórias dos benfiquistas e dos portistas. Agora, consolar-se com as derrotas do seu clube do coração, mesmo que servissem os sucessos dos adversários mais difíceis?!... Nunca! Nunca!