sábado, janeiro 02, 2016

Medos ancestrais à tona. A propósito dos refugiados sírios.

«Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo.»
Atenas, Grécia, Dezembro de 2015. Enquanto houver crianças assim - e é da sua
natureza serem assim, haverá sempre esperança; haverá sempre motivos que nos
 galvanizem e façam querer estar na linha da frente da solidariedade e comunhão.
Esta é a célebre frase de uma adolescente paquistanesa, já ouvida no grande palco das Nações Unidas. Adolescente Malala, candidata a prestigiantes Prémios da Paz; e vencedora, mesmo que não em todas as candidaturas.

Malala é a razão de um livro, escrito em jeito de bandeira na luta pela Liberdade e pelo direito à Educação.
«A todas as meninas que enfrentam injustiças e que foram silenciadas. Juntas seremos ouvidas.»,
É assim, com esta dedicatória que Malala, e quem dela recolhe as memórias, abrem o livro.
O seu nascimento foi um acontecimento decepcionante - porque nasceu uma menina.
"Quando nasci, os habitantes da nossa aldeia exprimiram o seu pesar à minha mãe e ninguém deu os parabéns ao meu pai." (p. 23)
As meninas são acontecimentos natalícios não desejados na cultura de origem da Malala.
Até onde estará Malala disposta a ir... Até onde conseguirá ela ir?... Até onde permitirão que ela vá?...
Quem rodeia Malala?... O que quer quem a rodeia?... Quem a educa?... Quem a apoia?... Quem a seduz?... Quem quer tirar proveito dela?...
Que poder tem, de facto, uma criança? E um professor? E um livro? E uma caneta?
Há encanto no que Malala - ou alguém por ela - diz da sua família, dos antepassados que fazem a história e a identidade do Povo a que pertence e de que se orgulha.
O livro de Malala foi trazido a público em Outubro de 2013 (já o Papa Francisco tinha estado em Lampedusa, provavelmente enquanto o livro ainda se ultimava).
Que boa fé povoava a mente de quem escreveu o parágrafo que a seguir transcrevo?
Os nossos antepassados chegaram ao Vale de Swat no século XVI, vindos de Cabul, onde tinham ajudado um imperador da dinastia timúrida a reconquistar o trono após a sua própria tribo o ter deposto. O imperador recompensou-os com posições imdo autor portantes na corte e no exército, mas os seus amigos e familiares avisaram‑no de que os Yousafzai estavam a tornar-se tão poderosos, que o iriam destronar. Por isso, certa noite, convidou todos os chefes para um banquete e lançou os seus homens sobre os Yousafzai, enquanto estes estavam a comer. Foram massacrados cerca de seiscentos chefes. Apenas dois escaparam e fugiram para Peshawar juntamente com os homens da sua tribo. Após algum tempo, foram visitar algumas tribos no Vale de Swat para granjear o seu apoio de modo a conseguirem regressar ao Afeganistão. Porém, ficaram tão cativados pela beleza de Swat, que decidiram, em vez disso, ficar aqui e forçaram as outras tribos a sair. Os Yousafzai dividiram toda a terra entre os membros masculinos da tribo. (p. 32)
Em Lampedusa, em Lesbos, em Paris, em Atenas, que estado de consciência povoaria a mente do autor se (re)escrevesse o parágrafo agora, com tantas portas de medo que se têm fechado por tanta e oficial Europa (sim, oficial, que a Europa dos cidadãos não é exactamente a mesma)?
Não confirma o parágrafo o temor que tanto agitam em tanta comunicação social? Que razões assitem hoje a todos os temerosos?
Que podem o professor, o livro e a caneta fazer à criança para que o Futuro seja outro, diferente do que foi a "vitória" da experiência de refugido do orgulhoso Povo de Malala?
De que maneira são os Povos capazes de olharem as gestas e as epopeias das suas Histórias - por exemplo, de Marítimas Descobertas e Escravaturas massivas atravessando gloriosos mares - à luz dos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade que continuamos a tanto tentar que iluminem e guiem as relações entre os Povos; e mesmo dentro de cada Povo?
Malala, ela própria, será menina capaz de olhar, ousadamente, de outra maneira, as fascinantes histórias ouvidas aconchegada aos joelhos de seu pai e avós?
Tão importantes são os professores! O pai de Malala é professor.
Será que a História nos mostra que é impossível ser de outra maneira, que a competição entre as Culturas vencerá sempre sobre a cooperação? Será que podemos fazer a História de outra maneira?
Como canta o Tim dos Rio Grande:
"Mestre-escola diga lá se for capaz / P'ra que lado é que me viro, p'ra que lado?"